Se não fosse pelas fiações elétricas expostas, esta foto da Renata seria um cartão postal mostrando as cores do MP Lafer e das fachadas das casas antigas de Santana de Parnaíba. |
Tem que ser um pouco maluco para gostar de MP Lafer e desafiar o clima chuvoso para se reunir num restaurante apertado. E isso se repete ano após ano.
Por Jean Tosetto
Quando o Walter e o Romeu, do Clube MP Lafer Brasil, anunciaram o almoço de fim de ano para o dia 30 de novembro de 2024 no Restaurante São Paulo Antigo, em Santana de Parnaíba, já travei a agenda com a Renata, minha esposa, e a Carol, nossa filha. Por mais que goste do MP Lafer, preferi levar minha pequena família para o evento do que me separar dela em função de um carro, por mais especial que seja. Descobri que não levo jeito para ser um radical livre a oxidar os ambientes por onde passo.
Os primeiros sete MPs estacionados no Posto Graal da Rodovia Castelo Branco. |
Quem chega mais cedo joga bola primeiro. |
E assim acordamos sem pressa naquele sábado nublado, com ameaças de chuvas intermitentes. Penso que muitos desistiram do evento por causa disso, mas quem foi teimoso não se arrependeu. Ao todo, 24 MPs com motor traseiro estacionaram no Posto Graal, no quilômetro 30 da Rodovia Castelo Branco, mais uns sete veículos de marcas diversas (incluindo a nossa já velha Pálio Weekend) e um MP Lafer com motor AP alojado na dianteira. Sim! O Percival Lafer apareceu em pessoa, muito bem acompanhado de sua esposa, a Branca.
Ele guiou o último MP Lafer do comboio liderado pelo Marco em seu New Beetle: ele é filho do saudoso De Mitry, a quem Percival confiou o comando da equipe que construiu o protótipo do MGT, que deu origem ao MP Lafer, em novembro de 1972. O Marco conhece os caminhos da Aldeia da Serra que levam à Santana de Parnaíba na palma de sua mão.
Ainda assim, conseguimos nos perder por um momento, numa bifurcação. Um breve contratempo que me permitiu ouvir o gostoso ronco abafado do MP AP 1986, o único da face da terra nesta configuração que, além do mais, conta com um "ar condicionado eólico" (nas palavras do Percival, que instalou dois calços de polipropileno nos encaixes da capota no para-brisa, resultando numa fresta de meia polegada capaz de lufar uma brisa mesmo naquele mormaço).
Como você sabe, um encontro de MP Lafer não é só um encontro de carros antigos, mas um reencontro de pessoas. Por exemplo, revimos o casal DJ e Carol, que foram os fotógrafos do nosso casamento há 15 anos. Eles perguntaram se ainda estamos juntos. Claro que sim! Pois eles contaram que vários casais que eles fotografaram se separaram, principalmente após a Pandemia do Coronavírus.
Então respondi que muita gente se ilude sobre o casamento, cuja função seria fazer as pessoas felizes. Isso não é bem verdade. O casamento serve para formar uma família, onde um ajuda o outro nos perrengues da vida, muito mais frequentes do que os momentos de alegria e prazer. Quem não entende isso, não aprende a ceder, mas não é isso que as pessoas querem ouvir. Elas só querem saber do "foram felizes para sempre" e, quando isso não se confirma, jogam a culpa nos outros.
O casal DJ e Carol a bordo do MP Lafer personalizado, numa rara folga de fim de semana, posto que são fotógrafos profissionais. |
Entretanto, não tem problema em ficar sozinho por um tempo, mesmo estando enroscado com alguém. Viajar sozinho pela estrada, vendo o dia amanhecer, também tem um sabor de liberdade muito caro para um homem. Quem pode falar sobre isso é o Godoi, que veio de São José do Rio Preto especialmente para almoçar com os amigos do Clube MP Lafer Brasil. Ele rodou duas pernas de 450 quilômetros só para passar algumas horas junto de uns caras tão malucos quanto ele, assim como o Rodrigo e o Canedo, do VW Clube do Rio de Janeiro.
A mesa mais animada do sábado, com o Waldir entoando odes à cerveja e à camaradagem. |
Toninho, Giba, Walter e Jean - quem? |
O Restaurante São Paulo Antigo fiou pequeno para receber tanta gente, que se espremeu em mesas contínuas num puxadinho do andar de cima, com vista parcial para o centro histórico de Santana de Paranaíba, com suas cores coloniais que tanto combinam com as cores do MP Lafer. Por isso, entre o prato principal e a sobremesa, dei uma escapada para fazer algumas fotos dos carros estacionados no largo diante da Igreja Matriz.
O carro do criador e os carros dos entusiastas de uma marca ímpar na história do automobilismo brasileiro. |
O que é belo vence a passagem do tempo. |
Tudo passou muito rápido. Queria conversar tanto, com tantas pessoas (com o Toninho da Tony-Car, com o Giba...), que tive que lembrar que não estava ali para repetir a rotina que me ocupa durante a semana. Então sentei numa mesa da viela junto ao muro de arrimo de pedras, construído pelos escravos, para ouvir do Diro umas lições sobre charutos cubanos. Ele me ofereceu um e, embora eu seja um dos caras mais caretas do mundo, aceitei sem pensar duas vezes. Não se recusa um charuto cubano oferecido por um amigo que torce pelo mesmo time. Minha filha estranhou muito a cena: o pai com um charuto na boca era uma novidade para ela.
Dois laferistas palestrinos degustando charutos cubanos. |
Então, o Vilmar chegou e perguntou se eu ainda tinha livros do MP Lafer para vender. Não por acaso, deixei uns exemplares no bagageiro do carro da patroa, que estava estacionado numa rua mais afastada. Durante a caminhada, deixei o Vilmar dar uma pitada, também. Fiz uma dedicatória para ele e sua esposa, a Inês, que ficou esperando na frente da Igreja, onde o Percival e a Branca estavam caminhando. Apresentei uns para os outros e ainda registrei o Percival autografando o livro do MP. O Vilmar, homem feito de meia idade, parecia um adolescente, de tanta empolgação.
Vilmar observa Percival Lafer autografando seu exemplar do livro do MP. |
Mas o que era doce se acabou. A tarde caia quando os motores foram acionados um após o outro. Fui procurar pela Renata e pela Carol, que estavam na pracinha de cima, onde fazem quermesses. Sem querer, fomos os últimos a ir embora. Sabe quando toca o sinal da escola, indicando que o recreio acabou? O jeito é voltar para a sala de aula, ou seja, para casa. Algo que fiz de forma relutante, ao fazer umas paradas pelo caminho.
Região central Pirapora do Bom Jesus, fotografada no mirante da margem oposta do Rio Tietê. |
A primeira foi em Pirapora do Bom Jesus, por onde passa a Estrada dos Romeiros, uma terra onde a fé inspira os poetas. Assim, compartilhei a seguinte mensagem em meu perfil do Instagram:
"Em parte, também sou "Caipira Pirapora Nossa... Senhora de Aparecida" e, embora não seja católico, peço como evangélico protestante que você, onde estiver, independentemente de seu credo, faça uma oração pela menina Manu, de apenas 9 anos. Ela foi com a família passar um fim de semana num hotel e se afogou numa piscina. Foi socorrida e está lutando pela vida, mesmo inconsciente num leito de hospital. Embora ela seja de Paulínia, onde moramos, não conheço os pais dela, mas como pai, sinto uma angústia lancinante por não poder fazer nada além de orar e de estar junto nessa comoção. Força Manu, você não está sozinha."
O dia ainda não havia terminado. Deu tempo de formular uma reflexão final. Fique com ela após meus votos de Feliz Natal e Próspero 2025!
Fachada da Igreja Matriz de Cabreúva. |
"Tem curso para tudo: para aprender uma profissão, para passar num concurso, para ganhar dinheiro na Bolsa, para se ocupar enquanto os outros dormem. Tem mestrado e doutorado para especialistas em agenda lotada. Porém, quando o platinado cola, percebemos que não existe faculdade para desacelerar. O Dolce Far Niente não é uma disciplina que pode ser ensinada, posto que se fosse disciplina, não seria Dolce Far Niente, algo que se aprende por conta própria, por tentativa e erro. Quem é adepto do Dolce Far Niente é, por definição, um errante num mundo onde os outros querem apenas acertar.
Tratei de colocar em prática a tentativa de experimentar um sábado curtindo o Doce Fazer Nada, para esquecer do trabalho. Estava em Santana de Parnaíba e precisava voltar para Paulínia. De um lado, poderia passar por trás do Alphaville e acessar a Rodovia Anhanguera. Do outro, poderia cruzar Barueri (onde um dia pretendo montar o Bar Ueri) e cair na Rodovia Castelo Branco. Pedágios, caminhões, estresse. Estou fora. Escolhi o caminho do meio: a Estrada Parque, uma pista simples que serpenteia pelas margens do Rio Tietê, onde se anda devagar para apreciar a natureza, as pessoas fazendo churrasco nas varandas de seus casebres e alguns cavaleiros perdidos, procurando pelos rastros dos bandeirantes.
Chegando em Cabreúva, estacionei na Praça da Igreja Matriz. Mais uma fachada fotografada para a minha coleção. Ao lado dela avistei a Sorveteria Laurini, um predinho de esquina bem tradicional, com platibandas tentando esconder o telhado de barro. O interior não era decorado feito um bolo de casamento. O acabamento era bem simples e honesto, com paredes azulejadas num tom de polpa de melão. Mandei três sabores para a casquinha: flocos, pistache e açaí.
Qual era o gosto? Não tinha gosto de sorvete caseiro, nem de sorvete artesanal chique, tinha gosto de sorveteira do interior, e isso é bom demais, sem branding, sem marketing, sem narrativas para realçar o sabor, mas ainda assim descobri que o local já tem mais de cem anos e está na terceira geração da família.
Sentei numa janela com vista para a cidade, para ver a vida e as pessoas passarem. Dolce Far Niente: ainda vou ficar bom nisso."
Veja também:
Almoço do Clube do MP em Itapecerica da Serra - 2023
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