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Carro na estrada para Monte Alegre do Sul

Elevação posterior do portal de Monte Alegre do Sul.
Elevação posterior do portal de Monte Alegre do Sul.

Apenas um dia já pode ser suficiente para recuperar as baterias gastas nas engrenagens do cotidiano. Não é preciso esperar meses para fazer uma viagem curta. Se o carro está em ordem na garagem, o check-in no aeroporto pode esperar.

Por Jean Tosetto *

Quando você é jovem de corpo e alma, além de recém-chegado ao mercado de trabalho, ouvir as pessoas reclamarem do estresse não faz muito sentido. Você está com toda a energia e disposição para abraçar o mundo e não presta muita atenção nas dores alheias. Mas uma frase aqui e outra acolá fica enterrada no seu inconsciente e subitamente elas afloram quando chega a sua vez de perguntar:

- O que estou fazendo aqui?

Então um de seus primeiros clientes volta a conversar com você num flashback mental:

- As pessoas ficam estressadas, trabalhando o ano inteiro, esperando pelo seu mês de férias para aliviar o fardo. Quando viajam por vários dias, elas saem do seu ambiente viciado para sentir um alívio momentâneo, mas a situação só piora quando a pessoa volta para o ofício. No meu entendimento, devemos combater o estresse em nosso ambiente de trabalho e na nossa rotina, mudando hábitos e melhorando a qualidade do espaço que ocupamos. Por isso quero que você me projete uma casa bem aconchegante.

Logicamente não foram as palavras exatas que o advogado usou no meu escritório, que ele revelou ter ouvido de uma psicóloga, mas uma das belezas de ser arquiteto é que podemos aprender o tempo todo com as pessoas, se deixarmos o radar ligado.

Por ser um profissional liberal, tenho dificuldade para tirar férias prolongadas. Ao longo do tempo, descobri a terapia de fazer pequenas viagens em fins de semana, de modo que estas se introduziram na minha rotina, funcionando como válvulas de escape da pressão crescente que muitas vezes nós mesmos nos impomos.

Fazer um bate e volta, com a opção de se hospedar no destino escolhido, nos permite colocar o carro na estrada, onde podemos desfrutar do prazer em dirigir – que as cidades brasileiras sem planejamento urbano vêm nos roubando.

Será que a culpa é só do carro?

Embora não more numa grande cidade como São Paulo, me coloco no lugar de seus milhões de habitantes, muitos deles perdendo horas do seu dia para se deslocarem de casa para o trabalho. Os engarrafamentos, os radares, as lombadas, o rodízio, os amarelinhos ou marronzinhos: tudo isso vai tirando do cidadão o prazer de guiar o próprio automóvel. Eis um crime não tipificado no Código Penal, mas que penaliza a vítima sem piedade.

É compreensível que o sujeito, após uma semana inteira de trabalho, não queira nem chegar perto de seu carro no domingo. Ele muitas vezes prefere esperar as férias chegarem, já pagando as parcelas do pacote turístico para Orlando na Flórida, por exemplo. Daí vem uma constatação irônica: muitos brasileiros que viajam de avião para outros países, não conhecem cidades de interesse turístico que, não raramente, ficam num raio inferior a 200 km.

Quantos bilhões de reais o Brasil desperdiça por ano, por não ter uma política de turismo nacional realmente eficaz?

Não estamos aqui para reclamar dos agentes públicos, mas para fazer a nossa parte, com as ferramentas que temos em mãos e o com princípio da iniciativa privada. Falemos de nossas pequenas e acolhedoras cidades. Valorizemos nossa gente. Circulemos nosso dinheiro entre nós mesmos. E finalmente coloquemos nossos carros na estrada. Se eles foram feitos para isso, nós também fomos.

Santo de casa também faz milagre

Por vezes, para conhecer um lugar diferente e não muito longe de casa, precisamos apenas de um motivo, uma boa desculpa para sair da frente da TV ou dos corredores de um Shopping Center no fim de semana. A Festa do Morango em Monte Alegre do Sul, por exemplo.

Esta pequena cidade, com menos de oito mil habitantes, fica no Circuito das Águas Paulista, entre Amparo e Serra Negra, nas margens do Rio Camanducaia, que serpenteia entre os montes da Serra Mantiqueira. Rica em fontes de água mineral, a malha urbana desordenada do município, repleta de casas do tempo colonial no ciclo do café, lembra a composição de um presépio, quando vista do alto de algum mirante.

O município de forte presença de descendentes de italianos fica distante apenas 130 km de São Paulo – ou seja, dá para ir e voltar no mesmo dia. Mas se tiver vaga em alguma pousada rural, vale a consideração pelo pernoite, especialmente se o clima estiver convidativo, com aquele ar puro e gelado que desce gostoso até os pulmões.

Há três caminhos pavimentados para chegar até Monte Alegre. Os usuários da Rodovia Fernão Dias podem seguir para Socorro e acessar uma estradinha vicinal tinhosa, que se liga ao caminho de Pinhalzinho para chegar ao destino pelo sul. Quem vem de Serra Negra, ao norte, desce apenas 6 km por uma pista simples, mas deliciosa de guiar. Nós optamos pela estrada que vem de Amparo, a oeste – é lá que fica o portal da cidade, construído num estilo que poderia ser classificado como misto de neocolonial com neorrenascentista.

Vista do portal de Monte Alegre do Sul para quem chega por Amparo.
Vista do portal de Monte Alegre do Sul para quem chega por Amparo.

Fronteira entre estados de espírito

A passagem pelo portal, reduzindo a marcha do carro, é simbólica. Até parece que deixamos numa alfândega imaginária aquele excesso de bagagem mental, formada por picuinhas não resolvidas, assuntos sem importância e implicações relacionadas ao trabalho. Para ingressar num recanto perdido entre montanhas, devemos levar apenas a parte alta do nosso astral.

Se por acaso o astral não estiver num bom nível, a placa indicando a direção do Mirante do Cristo vem como elixir. O percurso até o topo do monte é estreito e formado por bloquinhos de concreto intertravados. Nem todos bem travados. Os pneus vão tateando um por um e algumas peças se movimentam, fazendo um “cloc-cloc-cloc” agradável aos ouvidos.

Logo, um código informal se estabelece instintivamente entre desconhecidos: como só passa um carro de cada vez em certos trechos, quando há um encontro de veículos em direções opostas, quem está subindo joga duas rodas sobre a guia, encostando-se ao paredão. Quem está descendo não pode correr o risco de queda livre, dando passagem para quem sobe.

O Alfa Ronosso parece receber a benção luminosa do Redentor.
O Alfa Ronosso parece receber a benção luminosa do Redentor.

O cheiro do aconchego

Não é preciso dizer que a vista lá do alto é compensadora. Na quietude do lugar podemos ouvir a brisa encobrindo a pulsação do universo. Lá embaixo as casinhas coloridas disputam nossa atenção com o verde predominante da intensa arborização da paisagem. Se houvesse um restaurante com terraço panorâmico ali, poderíamos ter a sensação de esbarrar com Audrey Hepburn e Cary Grant, se estranhando ao som de Henry Mancini, no filme Charada. Está certo: o lugar não é nevado, mas igualmente charmoso.

Os jardins bem cuidados são uma tônica na cidade.
Os jardins bem cuidados são uma tônica na cidade.

Charmosa também é a velha Ponte da Mogiana, construída com estrutura metálica pela norte-americana Keystone Bridge Company de Pittsburgh em 1887, e restaurada um século depois pelo governo estadual. A Mogiana era uma empresa de transporte ferroviário, que escoava para Santos a produção de café em toda a região expandida de Campinas. Hoje o pontilhão não serve mais aos trens, mas aos automóveis – sempre um de cada vez.

A Ponte da Mogiana sobre o Rio Camanducaia.
A Ponte da Mogiana sobre o Rio Camanducaia.

Seguimos pelos trilhos desativados até a antiga estação ferroviária convertida em espaço cultural. Ao lado dela repousa uma locomotiva inglesa a vapor fabricada em 1910, sob um pergolado protegido com painéis de policarbonato. Teoricamente ela ainda funciona, dado que sua chaminé está ligada a um exaustor na cobertura translúcida. O ramal férreo da cidade foi desativado em 1966, para desalento daqueles que iam de trem para a capital.

Nas imediações da Maria Fumaça, funcionários municipais interrompiam o tráfego nas ruas de paralelepípedo que conduziam ao centro. Procuramos uma vaga para o Alfa Ronosso – como chamamos o nosso Twin Spark 156. A caminhada entre casarões com fachada na calçada não seria tão longa até a praça, em frente ao Santuário do Senhor Bom Jesus, repleta de barraquinhas de produtores rurais, com seus morangos do tamanho de limões e cachaças artesanais famosas no interior.

A passarela de pedestres sobre o Rio Camanducaia é cercada de verde.
A passarela de pedestres sobre o Rio Camanducaia é cercada de verde.

A locomotiva a vapor fez sua última viagem oficial em 1966.
A locomotiva a vapor fez sua última viagem oficial em 1966. 

Menos pressa – mais sabor

Com a fome apertando, procuramos um lugar para almoçar ali perto. Escolhemos um bife à parmegiana, numa varanda com vista para a Festa do Morango. A trilha sonora do momento foi executada ao vivo pela banda municipal, cujo repertório passeou pela Bossa Nova, Samba, MPB, Beatles e até uma peça erudita de Verdi. 

Mas o engasgo na garganta veio com o Tema da Vitória. Depois de tantos anos ele ainda mexe com os brasileiros. Não há estatísticas sobre isso, mas talvez a cada três famílias, duas tem um Ayrton Senna que foi embora cedo demais. A gente, porém, ainda tinha uma tarde inteira pela frente em Monte Alegre do Sul.

Nas escadarias do Santuário do Senhor Bom Jesus as pessoas descansam.
Nas escadarias do Santuário do Senhor Bom Jesus as pessoas descansam.

Hora da sobremesa. Um pote de morangos mergulhados no creme de leite e outro no chocolate. Arruma-se um lugar para sentar nas escadarias da igreja, que se convertem em arquibancadas para ver as pessoas passarem. As colheradas glicosadas abastecem o tanque de coragem para vencer a caminhada – quase uma escalada – até o Mirante do Cruzeiro.

Permeada com 14 imagens da Via Crúcis, a trilha para o alto do morro castiga as panturrilhas. A vontade de desistir só não é maior do que a curiosidade de ver o que tem lá em cima: uma capela e uma cruz, separadas por um campo que parece um heliporto – ou seria um lugar para esperar a chegada de uma espaçonave?

A trilha para o Mirante do Cruzeiro é adornada com imagens da Via Crúcis.
A trilha para o Mirante do Cruzeiro é adornada com imagens da Via Crúcis.

Entre a capela e a cruz há espaço para uma missa campal.
Entre a capela e a cruz há espaço para uma missa campal.

A religiosidade em cidades pequenas é mais latente do que nas grandes metrópoles. Talvez alguns não acreditem no além, mas acreditam no vizinho, cujos laços comunitários vão sendo fortalecidos sempre que alguém pendura um estandarte sacro na fachada da casa.

O “Fecha Corpo”

No Brasil as crenças se misturam e Monte Alegre guarda uma tradição iniciada em 1948, quando o Seu Zezé Valente adoeceu. Ninguém sabia ao certo o que era e, portanto, não havia cura para seu sofrimento. Como último recurso Seu Zezé procurou uma curandeira. Ela lhe ensinou uma receita de cachaça com ervas, que deveria ser preparada na quinta-feira da Semana Santa.
 
A bebida teria que ficar ao relento para ser consumida somente na alvorada da Sexta-Feira da Paixão. Seu Zezé se curou! Em agradecimento ele fez uma promessa: servir a cachaça milagrosa de graça, para quem lhe pedisse, nos anos seguintes. O dia do “Fecha Corpo” já completou sete décadas, com a tradição passada para os herdeiros do patriarca. 

Filas quilométricas se formam na porta da casa da Família Valente, que ainda serve uma fatia de pão com aliche para completar o desjejum. Como eles não dão mais conta de atender todo mundo, a Adega do Italiano entrou na história para ajudar. Tempos depois, vários alambiques do município engrandeceram o evento, a ponto de reunir gente fervorosa – além da conta – que vai fechar o corpo várias vezes, fazendo um périplo para garantir vida longa.

Fachada da casa da Família Valente, onde é servido o “Fecha Corpo”.
Fachada da casa da Família Valente, onde é servido o “Fecha Corpo”.

Quem nos contou isso foi um senhor que encontramos num boteco onde compramos água. Ele estava de camisa regata, bermuda e chinelos, mas portava um anel de advogado no dedo anelar direito. Pelo tamanho da pedra vermelha, devia ser tão bom de serviço como era de prosa.

Subindo a montanha

Anoitece mais cedo em cidades que dormem nas várzeas de rios que cortam as montanhas. As sombras que elas projetam nas ruas funcionam como ponteiros de relógios, a indicar a hora de pegar a estrada de novo. Antes conversamos com a Ludmila. Ela vive no Sítio do Júlio, distante mais de 20 km do centro, perto do Distrito de Mostardas. Levamos uma caixa de morangos para saber se realmente eles são os melhores do Brasil.

A Festa do Morango ocorre em julho, quando a Ludmila vende a safra do Júlio.
A Festa do Morango ocorre em julho, quando a Ludmila vende a safra do Júlio.

Seguimos para Serra Negra antes de voltar para casa. A subida da serra é curta, mas garante a diversão para aqueles que gostam de uma boa tocada. Eucaliptais fazem às vezes de guard-rails nas curvas em “C” que conversam com curvas em “S”. Tem curvas em “U” também, e algumas retas curtas para respirar. A paisagem é bucólica.

Essa estrada foi palco de três edições de uma corrida da modalidade “Subida de Montanha”. A última aconteceu em outubro de 2017. É o tipo de evento que atrai aficionados por máquinas de todos os tipos. Mas para levar a disputa a sério ali, a melhor pedida é um carro com tração traseira, livre de todo o peso extra de veículos convencionais.

Na subida para Serra Negra, as curvas são cercadas por eucaliptos.
Na subida para Serra Negra, as curvas são cercadas por eucaliptos.

E aquele peso extra que deixamos na alfândega imaginária do portal ficou para trás. No lugar dele, levamos de volta o perfume dos morangos e o desejo de voltar mais vezes. Em Monte Alegre do Sul não tem aeroporto e não tem mais estação ferroviária. Então a gente vai de carro mesmo – essa invenção sobre rodas que nos dá a liberdade de vasculhar o que há de bom perto de nós.


* Jean Tosetto é arquiteto desde 1999 e editor do site mplafer.net desde 2001. É também autor dos livros “MP Lafer: a recriação de um ícone” (2012), "Arquiteto 1.0 - Um manual para o profissional recém-formado (2015), "Guia Suno Dividendos" (2017) e "Guia Suno de Contabilidade para Investidores" (2018). Saiba mais em www.vivalendo.com

Veja também:

A Alfa Romeo sulfurosa de Águas de São Pedro

A Praça de Águas de São Pedro fica ainda mais bela com a Alfa Romeo sulfurosa.
A Praça de Águas de São Pedro fica ainda mais bela com a Alfa Romeo sulfurosa.

Águas de São Pedro é famosa por suas águas medicinais e pelo alto índice de desenvolvimento humano no quadro nacional. É lá que mora uma Alfa Romeo “Giulia” GTV 2000 de 1974, tratada por seu dono como se fosse alguém de sua família.

Por Jean Tosetto *

Dizem que o que você faz de marcante no primeiro dia do ano dará a tônica para o restante deste período. Com isso em mente, pouco importando se é uma superstição ou um mote psicológico, demos partida no carro em direção a Águas de São Pedro, uma instância turística perto de Piracicaba, no interior de São Paulo.

Águas de São Pedro possui pouco mais de três mil habitantes e uma população turística flutuante exponencialmente superior nos fins de semana e feriados. Seu perímetro urbano se estende até as divisas do município – um dos menores do Brasil em extensão territorial. Apesar disso, é um dos melhores lugares para se viver neste país, onde até o transporte público é gratuito.

O que deu fama a Águas de São Pedro foram justamente suas fontes de águas minerais, que muitos garantem ter efeitos terapêuticos para problemas de pele, fígado, rins, estômago e o que mais as pessoas estiverem sentindo. Debaixo do sol escaldante do verão tropical, no entanto, nosso problema imediato era somente a sede, e para isso qualquer água potável basta.

Ingressamos curiosos pelo fontanário municipal para sentir o gosto daquelas águas sulfurosas. À nossa esquerda ficavam as torneiras com a maior fila. Nas torneiras centrais e nas torneiras da direita, sempre no perímetro de uma piscina de águas termais, não havia tanto movimento. O motivo saiu pela primeira torneira aberta: um cheiro que lembrava uma emissão gasosa fisiológica involuntária.

Só isso já desencoraja qualquer marujo para experimentar o sabor daquele líquido. Mas, carambolas, estávamos lá justamente para isso. Quer saber o gosto? Então imagine sorver um suco de ovo de codorna em conserva vencida, com a conserva inclusa.

Fomos para as torneiras centrais, quase inodoras, o que já era um alento. O sabor remetia a um coquetel de bacon com quiabo e água do mar – mexido, não sacudido. O jeito foi se encaminhar para a fila das torneiras da esquerda. Que nos perdoem quem mora em Águas de São Pedro: aquela última água era palatável, mas apenas confirmava a noção de que, se você deseja ter mais saúde, não vai se importar muito com o amargor do elixir.

A tônica do ano não poderia ser esta experiência. Que os goles de saúde façam o seu efeito, mas os sabores deveriam ser outros, nem que fosse o gosto engarrafado de água tônica. Um pote de sorvete de arroz doce, a poucas quadras dali, e uma água de coco gelada, caminhando pelas charmosas ruas da cidade, serviu como atenuante, bem como as sombras do frondoso bosque onde termina a avenida central.

Hora de ir embora: o pessoal da família já estava dando os primeiros sinais de cansaço após um dia de estrada e caminhadas. Vamos para o carro e eis que avistamos uma linda máquina estacionada atrás de nosso utilitário. Era uma Alfa Romeo GTV 2000, vermelha, sedutora e quarentona que ainda conservava o apelido de “Giulia”, fabricada em 1974 – ao menos era o que entregava suas placas.

A visão terapêutica da Alfa GTV estacionada atrás de nosso carro.
A visão terapêutica da Alfa GTV estacionada atrás de nosso carro.

Saquei a câmera fotográfica e logo comecei um ensaio, que seria apenas para consumo interno se não fosse pela presença de espírito de prestar atenção ao redor. Logo avistei um senhor de boné vermelho com o símbolo da Alfa Romeo. “Todo dono de Alfa Romeo é gente fina” - pensei. Ainda não conheço qualquer alfista antipático ou esnobe, por isso me apresentei formalmente.

Bingo! O alfista de Águas de São Pedro, em verdade um paulistano que possui casa na cidade, era a personificação do conceito de gente fina. Seu nome: Erasmo Fila. Ao seu lado estava o neto Guilherme, um garoto sortudo que passeia de Alfa 2000 ouvindo os conselhos do avô, que por sua vez tratou de me explicar cada pormenor de seu automóvel, tão breve consegui um tempo extra na estância, por parte de meus parentes sempre compreensíveis.

O inconfundível cuore formado pelo escudo da marca na calandra.
O inconfundível cuore formado pelo escudo da marca na calandra.

Ao contrário das águas sulforosas de outrora, a Alfa do Fila, de sulforosa, tem apenas a carroceria avermelhada, assinada pelo estúdio Bertone, além das propriedades terapêuticas – ao menos para alegrar a vista e o nosso âmago. Dirigi-la pelas estradas da região, entre São Pedro e Charqueada, deve ser ótimo para o sistema circulatório, pois só de passar a palma da mão pelo volante de madeira, com o carro parado, já senti o coração batendo mais forte.

Os instrumentos do painel são de fácil visualização. A pedaleira é ideal para fazer o punta-tacco.
Os instrumentos do painel são de fácil visualização. A pedaleira é ideal para fazer o punta-tacco.

Tratada a pão de ló e vinho chileno por seu dono, a Giulia de Águas de São Pedro guarda um excitante motor de 2.000 cm³ em seu cofre, com diversas peças forjadas em alumínio para aliviar o peso do conjunto. Seus dois carburadores Weber alimentam quatro cilindros em linha longitudinal, para deleite dos saudosos pela condução de um coupé esportivo de tração traseira.

O câmbio de cinco marchas só pode ser engatado em sua plenitude fora das ruas da cidade, pequena demais para conter a fera italiana com seus mais de 140 cavalos. O mesmo se aplica ao punta-tacco, manobra de redução de marcha que preserva o giro do motor, que os amantes da condução esportiva e clássica adoram praticar – a pedaleira da Alfa GTV parece ter sido projetada para tanto, basta notar o alinhamento do freio com o acelerador.

O cabeçote do motor em alumínio com quatro cilindros em linha da Giulia.
O cabeçote do motor em alumínio com quatro cilindros em linha da Giulia.

Os bancos de couro negro possuem ótima ergonomia e um interessante mecanismo de ajuste do encosto para a cabeça nos acentos da frente, revelando uma peça serrilhada de madeira, material orgânico presente também no painel agraciado com ar condicionado. Ali destoa apenas o rádio, que ao invés de tocar fitas cassetes, toca CDs.

Os bancos em couro contam com regulagem de altura no encosto da cabeça.
Os bancos em couro contam com regulagem de altura no encosto da cabeça.

A Alfa 1974 do Erasmo foi um ótimo investimento, segundo ele mesmo nos confidencia durante uma volta que demos pelo simpático centro comercial de Águas de São Pedro, com o jovem Guilherme, menino bem aventurado, sentado no banco traseiro. Ele pagou pelo carro, em 1996, pouco mais de quatro mil dólares. O modelo vale atualmente mais de seis vezes tal cifra. Não que o alfista deseje vender sua filha adotiva, pois o investimento foi pago várias vezes com o prazer de guiar uma síntese da paixão italiana sobre rodas.

Uma máquina sexy e quarentona, testada com sucesso nas pistas internacionais.
Uma máquina sexy e quarentona, testada com sucesso nas pistas internacionais.

Agora sim, ganhamos o primeiro dia do ano. Esta, pelo menos, foi a impressão que ficou quando desci do carro para reencontrar a família, me esperando pacientemente. Passamos longe de Copacabana e seus fogos de artifício, longe também da Avenida Paulista e seus conjuntos sertanejos, mas perto de um legítimo cuore italiano numa cidade acolhedora. Que seja o mote para seguir em frente.

O livro mais esperado dos últimos 40 anos pelos laferistas.
O livro mais esperado dos últimos 40 anos pelos laferistas.

* Jean Tosetto é arquiteto desde 1999 e editor do site mplafer.net desde 2001. É também autor do livro “MP Lafer: a recriação de um ícone” - lançado em 2012. Este artigo foi publicado originalmente na Revista MotorMachine número 12, em março de 2015.

O hall das legendas da Alfa Romeo

1938 - 8C 2900B Speciale tipo "Le Mans"
1938 - 8C 2900B Speciale tipo "Le Mans"
Grandes criações, vitórias, emoções, motores ícones e pontos de vista revolucionários permeiam os mais de 100 anos de história automotriz que a Alfa Romeo carrega. Este recanto da fama revive parte desta fascinante história composta por modelos emblemáticos com 100% de coração esportivo.

Texto: María Noel Sánchez | Tradução: Jean Tosetto
Imagens: Alfa Romeo Argentina

A Alfa Romeo desenvolveu um hotsite em honra às suas criações mais memoráveis. Poucos fabricantes automotores podem orgulhar-se de uma história tão extraordinária como a da automotriz italiana: única e fascinante, repleta de excelentes homens, de uma aventura esportiva constante que tem caracterizado anos de autos que formam parte do imaginário coletivo. Evolução técnica e engenharia que sempre marcaram a diferença. A seleção compartilhada se baseia em modelos emblemáticos que merecem ser recordados para sempre.


1925 - P2 Gran Premio

1925 - P2 Gran Premio
Desenhado por Vittorio Jano em 1924, guarda um capítulo a parte no que diz respeito às vitórias. Desde sua criação até 1930 ocupou o pódio em 14 Grandes Prêmios e eventos dos mais importantes, incluindo a Targa Florio. Foi um dos ícones da década e permitiu incorporar a coroa de láureas no escudo da Alfa Romeo. Em 1925 se coroou campeão mundial em Monza, nas mãos de Gastone Brilli Peri.


1930 - 6C 1750 Gran Sport

1930 - 6C 1750 Gran Sport
Derivado do 6C 1500, com motor e cilindrada superiores, o 6C 1750 coleciona um patamar de conquistas impressionante. Nas Mille Miglia de 1930, com Nuvolari e Guidotti (recorde de velocidade média: 100 Km/h) este Alfa se confirmou como rei da categoria Sport.


1932- Gran Premio Tipo B "P3"

1932- Gran Premio Tipo B "P3"
O P3, desenhado por Vittorio Jano, é o primeiro automóvel concebido desde o princípio como monoposto. Foi um projeto genial e inovador, com soluções técnicas avançadas, como a colocação da caixa de velocidades junto ao diferencial, sobre o eixo traseiro. Entre 1933 e 1935 o P3 se impõe em todos os principais Grandes Prêmios internacionais, guiado pelo talentoso Tazio Nuvolari e os pilotos mais reconhecidos dessa época: Caracciola, Varzi, Chiron e Trossi. Foi primeiro na Targa Florio de 34 e 35 e na Mille Miglia de 1935.


1938 - 8C 2900B Speciale tipo "Le Mans"

1938 - 8C 2900B Speciale tipo "Le Mans"
Considerado um dos esportivos mais belos do mundo, o Alfa Romeo 8C 2900 é um automóvel entusiástico por natureza, aguerrido nas corridas, embora de condução dócil. A primeira versão se configurou em 1934 com uma cabine de dois lugares para que pudesse correr nas competições tipo Sport. Em 1937 se comercializou no mercado dos colecionistas o modelo 8C 2900 B na versão com cabine curta (Spider Corsa de dois lugares) e estendida (Coupé Touring de quatro lugares). Desde sua estreia em competições, com uma extraordinária tríplice coroa nas Mil Milhas, até 1939 não encontrou resistência.


1951 - Gran Premio Tipo 159 "Alfetta"

1951 - Gran Premio Tipo 159 "Alfetta"
Sucessor do modelo 158, o "Alfetta" 159, conduzido pelo argentino Juan Manuel Fangio, ganha o 2º campeonato do mundo de Fórmula 1 para a casa da Alfa Romeo. A mecânica se mantinha tal qual a de seu predecessor, 8 cilindros em línea, e com algumas melhorias alcançava os 450 cavalos de potencia.  Esse motor alcançava um nível de potência específico quase incrível, 287 cv/litro, uma cifra impressionante até hoje em dia. Nas palavras do próprio Fangio, depois das primeiras voltas sobre este auto, "sufocar o incrível poder deste auto é uma recordação que ficará para sempre em minha cabeça e em meu estômago”.


1954 - Giulietta

1954 - Giulietta
Foi o primeiro Alfa Romeo com nome próprio e de mulher. Apresentado ao público em 1954 na versão Coupé Sprint, com uma línea jovem e dinâmica desenhada por Bertone, foi um carro de êxito seguro. Suas qualidades: dimensões reduzidas, prático e ágil, com rendimento elevado. Ambas as versões Berlina e Spider surpreenderam com um êxito imediato entre o público, por suas qualidades mecânicas e pela sóbria elegância de suas linhas. Em 1959 veio à luz o Sprint Speciale de Bertone e o SZ de Zagato, decididamente de corridas.


1955 - 750 Competizione

1955 - 750 Competizione
Carlo Abarth foi o encarregado de produzir o chassi deste exemplar. Para a carroceria optou-se por outro ilustre desenhista: Felice María Boano, criador de alguns dos Ferrari 250 GT mais bonitos que existem. O coquetel explosivo resultou num motor que aumentou sua potência até os 145 cavalos com um peso realmente contido. As sensações geradas foram únicas e sua condução mostrou-se muito mais delicada.


1960 - Giulietta SZ "Coda Tonda"

1960 - Giulietta SZ "Coda Tronca"
A Giulietta SZ "Coda Tronca", além de sua indubitável beleza estética, foi um veículo que alcançou numerosos triunfos em competições, sobretudo graças à sua leveza e ao fantástico motor. Pertenceu a uma série de motores preparados por Virgilio Conrero que chegaram aos 127 cavalos.


1967 - 33 Stradale

1967 - 33 Stradale
O Alfa Romeo 33 Stradale foi um automóvel esportivo fora do comum em termos de desenho. Foram fabricadas tão somente 18 unidades em 1967, compondo um modelo exclusivo de dois lugares com motor central e tração traseira, com desenho a cargo de Franco Scaglione. Foi visto pela primeira vez no Sport Car Show de Monza, em 1967, trazendo consigo o apelido Stradale, que designa as versões aptas para circular por corridas. Grande parte do desenho do 33 Stradale foi reutilizado no século XXI, no vigente superesportivo 8C Competizione.

Visite o site www.alfaromeohalloflegends.com

Veja também:

(Alfa) Romeo & Giulietta

Alfa Romeo Giulietta Sprint 1954~1956.
Alfa Romeo Giulietta Sprint 1954~1956.

“Alfa Romeo não é um fabricante de carros comum e corrente. Se vive com inquietude já que é uma forma especial de perceber os automóveis. Sensações e paixões que têm mais relação com o coração do que com a mente.” Esta foi a definição de Orazio Satta Puliga – célebre desenhista da fabricante italiana.

Texto: María Noel Sánchez | Tradução: Jean Tosetto
Imagens: Alfa Romeo Argentina

Alfa é o que para muitos poderia se comparar com perder a cabeça por amor.

A fabricante italiana, fiel ao seu espírito, tem a sua “Giulietta” - apresentada com destaque no Salão do Automóvel de Turim em 1954, com a versão coupé Sprint, com linhas joviais e dinâmicas desenhadas por Bertone. Desde então ela foi batizada como “a noiva da Itália” e todos se renderam aos seus pés.

A Giulietta Berlina  foi produzida entre 1955 e 1964.
A Giulietta Berlina  foi produzida entre 1955 e 1964.

Por que Giulietta?

Seu nome foi sugerido pela Madame De Cousandier, esposa do poeta italiano Leonardo Sinisgalli, que segundo conta a lenda, comentou risonhamente, durante uma reunião junto com diretores da Alfa Romeo em 1953: “Aqui há muitos Romeos e nenhuma Julieta”. Comentava-se que era uma apaixonada pela marca, e para sua boa sorte foi ouvida, já que pouco tempo depois nasceu a Alfa Romeo Giulietta.

Entre suas qualidades mais destacadas estiveram suas dimensões reduzidas, que fizeram dela um carro pratico e ágil. Ambas as versões, berlina e spider, ganharam êxito imediato perante o público, por sua excelência mecânica e a sóbria elegância de suas linhas.

Em 1955 chegou a versão sedan e a famosa Spider desenhada por Pininfarina, transgressora por contar com um motor de 1300 cm³ - o menor da época (que a fez um dos carros mais leves do momento). Para o ano de 1959 saem para a luz a Sprint Speciale de Bertone e a SZ de Zagato, com um marcado perfil esportivo.

Giulietta Spider: a favorita da Itália entre 1955 e 1962.
Giulietta Spider: a favorita da Itália entre 1955 e 1962.

Na atualidade a Alfa Romeo Giulietta, “o carro mais premiado da Europa”, é capaz de combinar uma grande agilidade em caminhos exigentes e comodidade em ruas urbanas. Um compacto de cinco portas criado para aqueles que buscam rendimento dinâmico, estilo distinto e um alto nível de conforto.

Seu desenho esmerado a faz ser ainda mais atraente. A atenção aos detalhes e as qualidades dos materiais utilizados são as expressões mais avançadas do estilo italiano, que se vê refletido nesta máquina moderna.

Se, num dia como hoje, Romeo levasse a Giulietta para passear, o faria em seu Alfa.

A nova Giulietta, relançada em 2010.
A nova Giulietta, relançada em 2010.

Veja também:

Para se apaixonar: Alfa Romeo 4C

A Alfa Romeo retorna ao nicho dos esportivos com o modelo 4C, para deleite dos entusiastas.
A Alfa Romeo retorna ao nicho dos esportivos com o modelo 4C, para deleite dos entusiastas.

A Alfa Romeo - tradicional marca italiana, incorporada ao conglomerado liderado pela Fiat, do qual fazem parte também a Ferrari e a Maserati - retoma sua vocação para conceber modelos esportivos destinados a se tornarem clássicos de sua época. O premiado 4C segue neste rumo.

Por Jean Tosetto *
Imagens: Alfa Romeo Argentina

O leitor do site mplafer.net naturalmente aprecia modelos de linhas esportivas, para apenas dois ocupantes, com tração e motorização traseiras e peso frontal aliviado. Até aqui poderíamos descrever tanto um MP Lafer quanto o novo Alfa Romeo 4C. Se o ponto de partida é o mesmo, na primeira curva da história as comparações ganham enormes distorções - e se você é um laferista consciente não vai se importar com isso.

Sai a carroceria em fibra de vidro montada em chassi plano do MP Lafer e entra a estrutura em monobloco da Alfa Romeo, abusando da fibra de carbono, resultando em pesos semelhantes, abaixo dos 900 quilogramas. Os motores, apesar dos mesmos 4 cilindros, entregam potências muito diferentes: mais de 240 cavalos no 4C e pouco mais de 60 cavalos no MP. A velocidade final do 4C representa o dobro da atingida pelo MP em seus melhores dias: mais de 240 km/h.

De acordo com María Noel Sánchez, assessora de imprensa da Alfa Romeo Argentina, o alto rendimento do 4C "é consequência de seu motor 1.8 Turbo com 245 CV acompanhados por uma caixa de câmbio de última geração e dupla embreagem a seco. A isto se soma o seletor Alfa DNA, dispositivo que propõe diferentes comportamentos ao carro. O 4C incorpora o modo 'race' para os ousados e entendidos em direção esportiva".

O bólido Alfa Romeo 4C exposto durante premiação da revista alemã "Auto, Motor und Sport".
O bólido Alfa Romeo 4C exposto durante premiação da revista alemã "Auto, Motor und Sport".

Ficou com água na boca? Pois é, nós também. Por isso preparamos uma reportagem especial sobre o Alfa Romeo 4C, prevista para ser publicada na sétima edição da revista MotorMachine, entre março e abril de 2014. As imagens que selecionamos do 4C para o artigo são imperdíveis. Reserve o seu exemplar de MotorMachine com o editor Horacio Zabala, pelo e-mail horacio@motormachine.com.br



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* Jean Tosetto é arquiteto desde 1999 e editor do site mplafer.net desde 2001. É também autor do livro “MP Lafer: a recriação de um ícone” - lançado em 2012.

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