Paixão se herda?

Quando lavar o carro é um gesto de ternura. (foto: Renata Tosetto)
Quando lavar o carro é um gesto de ternura.

Eu já estive na Capela Sistina e na arquibancada de um jogo entre Brasil e Argentina. Já vi um show dos Rolling Stones com Bob Dylan na beira do palco. Já acampei no terraço de Interlagos com vista para o "S" do Senna, diante de uma largada de bólidos encapetados.

Mas nenhum lugar – ou situação – me deixou mais confiante, e me sentindo mais homem, do que o interior de um reles automóvel, dirigindo por uma estradinha sinuosa no cair da noite, com a chuva lavando o para-brisa, quando olhei para trás e vi minha esposa e minha filha, amarrada na cadeirinha, dormindo.

Acho que não seria feliz se vivesse num mundo sem carros. E depois que minha filha nasceu, penso que simplesmente deixaria de viver se por acaso perdesse ela.

Tenho um amigo com o perfil parecido com o meu. Nos casamos mais tarde do que o normal, e nos tornamos pais bem mais tarde, quase aos 40 anos de idade. Certa vez ele disse algo incontestável:

- Quem tem filho, tem medo.

Antes de me casar e ser pai, queria ter uma carreira bem sucedida e realizar alguns sonhos de consumo, enquanto fazia algo de bom pela sociedade. Agora, o mais importante é poder ver minha filha crescer. Sei o quanto isso é bom, e sei que pode acabar de uma hora para outra. Por isso venho guiando com cada vez mais atenção ao volante.

Desejo ficar velho a ponto de sofrer duas grandes decepções:

1) Entregar minha filha para seu noivo, no altar de uma igreja, consolando a minha esposa ainda mais desolada.

2) Ter a licença de motorista revogada por reprovação nos testes físicos durante uma renovação.

Quando este segundo dia chegar, passarei as chaves do carro para minha filha, esperando que ela me leve para viajar de vez em quando.

Por isso repito a pergunta:

- Paixão se herda?


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2 comentários:

  1. Amigo Jean isto tudo que você declarou ai realmente é linda mensagem a ser analisada por cada pessoa com o minimo de respeito a si proprio.
    mauro almeida.

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    1. Prezado Mauro, por vezes exageramos nas cores, temperos e sentimentos - justamente para provocar um breve momento de reflexão. Abraços!

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