MP Lafer com motor elétrico que emite sons de Jazz

A capa do disco já está pronta. Só falta gravar as músicas.
A capa do disco já está pronta. Só falta gravar as músicas.

Por Jean Tosetto

Você viu as notícias? Estão querendo acabar com o motor a combustão. Primeiro vão proibir a fabricação deles. Depois vão proibir que carros movidos a combustíveis circulem pelas grandes cidades. Depois vão proibir a venda de gasolina para cidadãos com menos de 120 anos.

Para manter um carro com motor que queima algum derivado do petróleo na garagem, você terá que fazer testes psicológicos anuais para provar que é dependente do cheiro da graxa ou da ferrugem. Você terá que portar um atestado de "graxopata" ou "ferrugético" para evitar o pagamento de multas altíssimas.

Os viciados em carburadores - os "carburólatras" - terão a vida ainda mais complicada. Seus exames deverão ser repetidos a cada seis meses. Todos serão desencorajados a cultivar aquilo que era o símbolo da liberdade no século 20.

A alternativa será se render aos motores elétricos. Os carros modernos ficarão cada vez mais parecidos com smartphones. Seus chassis serão compostos pelas próprias baterias, para manter o centro de gravidade próximo do chão, sendo recarregáveis enquanto dormimos. Esses carros vestirão capas ou cases com estampas fashion, para não ficarem todos parecidos.

Com isso, acabam os roncos dos motores a combustão. Entra a ausência de barulho dos motores elétricos, para o pavor dos granjeiros que deixam os tomates atravessarem as ruas sozinhos.

- Olha o carro! - Pluft..
- Onde? - Pluft...

A namorada não se apressará mais na hora de fazer a maquiagem, pois deixará de ouvir o namorado chegando de moto com escapamento aberto na esquina de casa. A solução? Vão ter que embutir sons artificiais nos motores elétricos.

Engraçado, pois vão proibir os roncos dos motores a combustão, mas não fazem nada contra as músicas que estouram nas paradas de sucesso do YouTube e das rádios. Chamar estas lavagens cerebrais de "música" também deveria ser proibido.

O jeito é promover a resistência. Também estou sabendo que poderemos comprar motores elétricos avulsos para instalar em nossos carros antigos.

Eu prefiro um MP Lafer com motor elétrico rodando do que um MP Lafer original parado na garagem, feito uma múmia recoberta com terracota.

De quebra, já estou bolando um esquema para combater as músicas horríveis que empesteiam a atmosfera: meu MP Lafer com motor elétrico vai emitir sons de Jazz, conforme dirijo ele por aí.

Vou chamar um técnico em mixagem de sons para destrinchar todas as músicas do conjunto "The Dave Bubreck Quartet", separando cada instrumento num canal específico, que depois será integrado aos comandos do meu MP Lafer.

Em primeiro lugar vou amalgamar o saxofone de Paul Desmond no pedal do acelerador. As notas serão progressivas, conforme o carro ganhar velocidade.

No pedal do freio vou salientar os dedilhamentos de piano do próprio Dave Bubreck. Deste modo, diminuir a velocidade do MP será tão prazeroso quando acelerar.

Ao volante serão programadas as viradas de baixo de Eugene Wright. Conforme viramos a direção para a esquerda ou para a direita, alteramos o andamento do som.

Passar por lombadas, valetas e buracos - ou mesmo parar num cruzamento com farol vermelho - também será divertido: abaixo de 10 km/h o motor elétrico acionará os solos de bateria de Joe Morello em modo randômico, para evitar repetições nos engarrafamentos.

Assim que o MP retomar a velocidade, os demais instrumentos musicais tocarão novamente.

Cada viagem será como compor uma nova música de Jazz, cheia de improvisos - mas com um sentido edificante. Um simples passeio - uma ida na padaria - ganhará melodias de Jazz irrepetíveis.

Na dúvida, um gravador automático será acoplado na caixa preta do carro, para registrar na memória as melhores criações; cuja autoria terá que ser dividida entre as estradas com suas curvas sinuosas, os outros veículos com seus comportamentos aleatórios, o motor elétrico do MP Lafer e, logicamente, quem estiver ao volante.

Não sei se libero este mecanismo para outros carros. Pensando bem, seria muito bom cruzar com outro MP Lafer jazzístico na pista, entrelaçando sons harmônicos e complementares.

Portanto, nem tudo está perdido. Só se inventarem motor elétrico que emite sons de forrónejo gospel universitário. Neste caso, prefiro sublimar num carburador gigante.

Aproveite a vida antes da distopia ocorrer, curta The Dave Bubreck Quartet agora!


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2 comentários:

  1. Muito bom texto, Jean. Também lamento o fim do ronco, do qual sou dependente! No meu elétrico caberia também um pouco de MPB das antigas.

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    Respostas
    1. Também gosto das MPB antigas (existem MPB novas?), mas teria dificuldade de sincronizar as vozes em algum comando do carro :)
      Grato!

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