Paixão: nós e os MPs

Por Paulo Cesar Schuler Remiao

MPs da Pré-História

A História dos nossos MPs, ou melhor vamos chamá-la de Pré-História, começou com os carros que deram origem aos mesmos, os ainda famosos e também idolatrados MGs TC, TD e TF. É óbvio que em 1935/36, quando nas pranchetas da Morris Garage, Cecil Kimber e H.N.Charles trabalhavam no desenvolvimento do projeto do TA, o primeiro dos modelos T, ninguém poderia imaginar o que iria acontecer no Brasil quase 40 anos após.

Vem do final dos anos 50, minha grande atração pelos MGs, e porque não dizer pelos MPs também, sim, porque eles lá estavam, sem sabermos, no código genético dos MGs, ou talvez como embriões, que levariam quatro décadas para nascer. Ano de 1959, e tinha eu quatorze anos quando vi um MG pela primeira vez, foi na Rua Augusta em São Paulo. Na época eu cursava o segundo ano do antigo ginásio, em uma escola que havia na esquina da Paulista com a Augusta. Com certeza deve ter sido um TC, pois ainda lembro muito bem daqueles feixes de mola da suspensão dianteira, sem pára-choques.

MG TC 1947 - imagem de arquivo.
MG TC 1947 - imagem de arquivo.

Naqueles dias, ainda haviam bondes circulando pela Paulista, mas também era comum você encontrar lindos MGs desfilando pela Augusta ou estacionados frente aos pontos de encontro da juventude que freqüentava a famosa Rua. Eu ficava admirando os belos carrinhos, examinando os mínimos detalhes e sonhando emum dia poder ter um. Lembro-me que foi em um TC, onde pela primeira vez, vi um indicador de RPM em painel de automóvel, e ficava na frente do volante, que estava é óbvio, à direita. Logo aprendi todas as diferenças existentes entre os modelos TC, TD e TF, aliás vou confessar, esse último eu até achava meio esquisito. Aquele meu flerte com os MGs durou três anos, e já percebia que a presença dos mesmos na Augusta parecia diminuir, e, para minha tristeza tomando seu lugar os Fuscas, Gordinis, etc.

Um certo TD azul

Quando terminei o ginásio voltei para Porto Alegre, minha cidade natal, mas ficaram os MGs da Augusta muito bem gravados na minha memória. Alguns anos se passaram, nunca mais havia visto um MG, mas os belos carrinhos continuavam lá com seus motores roncando em meus pensamentos.
Um dia, passando em frente a uma firma que vendia carros, quase não acreditei no que via, lá estava um belo TD 52, azul metálico, estofamento de couro preto, o motor tinha diversas peças cromadas, enfim, o carrinho estava realmente lindíssimo e parecia muito bem conservado. Um fato que nunca vou esquecer, foi o vendedor me mostrando o volante regulável para frente e para traz, mal sabia ele que eu já conhecia aquele e muitos outros mínimos detalhes daquele lindo carrinho.

Nessa época, eu tinha uma Lambretta LD 57, mas já estava procurando um carro que pudesse comprar. Infelizmente, o valor daquele lindo TD era exatamente o dobro da quantia que eu tinha, tentei um empréstimo com meu pai, mas o mesmo me tirou o projeto da cabeça. Afinal, os MGs eram raros e peças de reposição também, eu provavelmente não teria condições de manter o belo carrinho naquelas condições por muito tempo.

Ainda fui admirar o carro muitas outras vezes, até que um certo dia, sumiu da loja, alguém mais abonado que eu o havia comprado, e lá se foi o TD fazer parte da minha coleção virtual de MGs.

O "MG Pavão 28"

Alguns meses mais tarde, pela metade do preço daquele TD, acabei comprando uma baratinha Chevrolet Pavão 1928. Foi meu primeiro automóvel, o carro estava mais ou menos conservado, algumas partes já não mais originais, era vermelho vivo com pára-lamas pretos, e, muito cromado. Tinha só dois lugares (como o MG!) e era não exatamente um carro digamos, "conversível", como o MG, porque, da velha capota, sobraram somente os pontos de fixação na carroceria. Mas, quando eu o dirigia me sentia em um MG, talvez, um "pouco mais alto" do chão!

Com os amigos em 1967: Mara sobre o paralama do "MG Pavão 28".
Com os amigos em 1967: Mara sobre o paralama do "MG Pavão 28".

Quanto à falta da capota em dias de chuva, foi muito fácil de resolver, usava a mesma capa de chuva utilizada para andar na Lambretta, fácil não? Eu e Mara, o M do "nosso" M&P, já então minha noiva, curtimos muito o Pavão 28, estávamos na época da "Jovem Guarda" e com os Calhambeques em alta. Uma vez ao sairmos de um baile ao som de "Long Plays" dos: The Ventures, Jet Blacks, Renato e Seus Blue Caps, Roberto Carlos & Cia, pegamos uma chuva torrencial e, estando sem as benditas capas, tivemos que parar o 28 e nos cobrir com uma lona que eu trazia no bagageiro, ficamos os dois alí por uma "romântica" boa hora ou mais, esperando aquele temporal passar, acho que na verdade desejamos que aquela chuva durasse eternamente, mas o encanto acabou quando Mara sentiu que suas costas estavam completamente encharcadas, descobrimos que o único furo da lona tinha ficado exatamente sobre as costas dela.

Detalhe da capa do álbum "A Collection of Beatles Oldies But Goldies!"
Detalhe da capa do álbum "A Collection of Beatles Oldies But Goldies!"


Após a compra do 28, comecei a freqüentar os "ferro-velhos" de Porto Alegre tentando fazer um pequeno estoque de algumas peças vitais do carro. Foi numa destas peregrinações que descobri a grande semelhança entre os chassis dos Morris, Prefects, Anglias etc., com os chassis dos MGs. Voltei inúmeras vezes com trena e papel, anotei medidas, fiz alguns esboços... sim, eu também já pensava na época, em satisfazer minha paixão pelos MGs com a construção de uma réplica, e lá nasceu para mim o "meu primeiro MP virtual", que deveria ter sido construído provavelmente sobre o chassis de um velho Anglia.


Ficou tudo no papel ou na minha imaginação, outras prioridades foram surgindo, o 28 passou para outro dono que o transformou em "hot-road", nunca mais vi um MG. Mudei de profissão, casei com Mara, e nos tornamos o casal "M&P", que na família significava Mara & Paulo.

O MG TD bege do Museu

Mais alguns anos sem MGs, mudamos para Taubaté, onde iniciei minha atual profissão. Acrescentamos mais um P no M&P, pois nasceu Patricia. Em 1974, comecei a trabalhar na Embraer, neste ano o casal M&P, visitou o então famoso Museu de Antiguidades Mecânicas de Caçapava, menina dos olhos do saudoso Roberto Eduardo Lee, e novamente os motores dos MGs roncaram forte em meus pensamentos, pois alí estava aquele lindo MG TD bege, foi a primeira vez que Mara e Patricia viram um MG, acho que Mara até entendeu porque eu adorava tanto aquele pequeno carrinho, mas a pequena Pat, com apenas dois anos ficou meio espantada, acho que devido a profusão de cromados, parece ter balbuciado alguma coisa parecida com "carrinho do papai". A visita acabou e lá estava na minha coleção virtual, mais um MG. Mas bem próximo, na Capital, algo acontecia.

O MG TD2 1952 do Museu - foto de Pedro Henrique/Revista Quatro Rodas 165.
O MG TD2 1952 do Museu - foto de Pedro Henrique/Revista Quatro Rodas 165.

E nasceu o MP Lafer

Felizmente, na mesma época, bem perto dalí em São Paulo, um grupo de entusiastas que também tinha paixão pelos MGs, estava finalmente, resolvendo boa parte do meu problema e o de muitos que desejariam ter um MG. Ah! Como eu, quantos de nós, hoje felizes proprietários de um MP não teriam participado com entusiasmo daquele entusiasmado grupo.

Ainda naquele ano, tive uma grande e agradável surpresa quando ao ler a seção de automóveis de um jornal de São Paulo, encontrei aquela reportagem com foto e tudo, nascera o "MP Lafer". Parabéns e congratulações a todos aqueles que de alguma maneira contribuíram para a criação deste nosso tão querido carrinho, obrigado Percival Lafer.

E a partir daí, começaria para mim outro problema, os carrinhos não eram nada baratos, acho que custavam o dobro de um Fusca ou talvez o preço de um Opala Luxo.

Em 74, o casal M&P comprou seu primeiro carro zero km, era um Fuscão bege, lindão, aliás aquele bege em um MP com estofamento verde, ficaria lindo!Mara aprendeu a dirigir naquele Fuscão, imaginem isso em um MP!

Logo a necessidade de um segundo carro já se fez presente, e ainda haviam planos de acrescentar mais uma quarta letra no M&P&P. Imaginava muitas vezes que esse segundo carro bem poderia ser um MP, mas não houve jeito, teria sido uma imprudência financeira, era uma bela tentação onde além de caro só cabiam dois e enfim teria lá suas restrições para uso como nosso segundo carro.

Para maior aflição minha, no Salão do Automóvel de 75, conheci pessoalmente os já então famosos MPs Lafer. No stand haviam três carros, um mais lindo que o outro, fiquei apaixonado, e tenho bem guardada comigo, até hoje, uma propaganda distribuída na ocasião, aquela da moça loira sentada em um MP amarelo. Parece que além de mim, mais alguns aficionados do carrinho também têm originais dessa linda propaganda.

Reprodução do encarte promocional distribuído no Salão do Automóvel em 1975.
Reprodução do encarte promocional distribuído no Salão do Automóvel em 1975.

Em 76, o casal M&P acrescentou mais uma letra P, nasceu o Paulinho. No mesmo ano compramos enfim o tal segundo carro, que é claro não foi ainda um MP.Era um reluzente Passat vermelho, LS três portas. Como aquele vermelho não teria ficado lindo em meu MP!

Finalmente, no ano seguinte, portanto só em 1977, sairia das linhas de montagem um MP TD de número 1012, era o "nosso MP", mas imaginem só, ainda esperei por mais 21 longos anos para saber disso, e foi através do anúncio do Orlando Landi Filho, seu segundo dono por 15 anos, é que fiquei sabendo. Tenho a edição daquele jornal Primeira Mão bem guardada, pois ela também faz parte da história. Ao ler aquele anúncio, os motores de todos aqueles MGs deram partida e roncando em alta RPM pareciam dizer: Você não pode esperar mais, esse é o seu carro!

Avisei à todos em casa: -Vou a São Paulo buscar meu MP! Minha repentina decisão causara espanto e preocupação em toda a família. No dia seguinte aquele MP TD 77, cereja metálico, que muitos de vocês já conhecem pessoalmente, estava em nossa "M&P Garage".

Aviso na garagem: "Todos os outros serão removidos".
Aviso na garagem: "Todos os outros serão removidos".

Ao transferir o MP para meu nome ele ganhou a placa CTK 7752, ano de fabricação 77, modelo 52. Os números consegui escolher, já letras CTK foram impostas pelo Detran, mas logo encontrei um significado para elas, o CK bem poderia ser uma homenagem ao saudoso Cecil Kimber, pai de todos os MGs e bisavô dos MPs, e o T quem sabe uma alusão ao pré-histórico primeiro MG T, o TA.

O Casal M&P no MG Pavão 28, em 1967...
O Casal M&P no MG Pavão 28, em 1967...


e 35 anos depois, finalmente no MP verdadeiro!
e 35 anos depois, finalmente no MP verdadeiro!

Esta história foi um pouco longa, mas calma, ela ainda não acabou não! Daqui para a frente vamos continuar a escreve-la juntos, todos nós dessa crescente Irmandade MP.

Parabéns à nossa tão dedicada Diretoria do Clube do MP Lafer e a todos que contribuem para a perpetuação dos MPs. Saudações ao nosso tão querido Toninho, que como profundo conhecedor dos nossos carros, nos tem assessorado tão gentilmente na conservação e restauração dos mesmos.

Um grande abraço, M&P...

[Primeira publicação no site mplafer.net: julho 2002]



4 comentários:

  1. Eu lembro do MG Pavão 28. Faz parte das minhas memórias de infância quando meu Mano buscava realizar seus sonhos.Dois mundos em um mesmo carro. Duas histórias em um só automóvel. Bons tempos...

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    1. Esta é, possivelmente, a história mais bonita contada neste site. Seu mano é um gentleman!

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  2. Olá
    Eu tenho este Pavão 1928 aprox 50 anos , sendo uns 40 confinado em um contêiner . Faz uns 2 meses resolvi restaura-lo e por sorte, ou benção das tecnologias encontrei o relato do Paulo, que como ele este foi meu primeiro carro...
    Gostaria do contato fo Paulo

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    1. Olá, favor enviar seus dados de contato para mplafer@tosetto.net ou para jean@tosetto.net ou ainda para WhatsApp (19) 9 9134 3152, pois eles serão encaminhados para o Paulo Remiao responder pessoalmente. Grato.

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