A saudade também viaja de carro

Um MP Lafer estacionado diante de um moinho.
Um MP Lafer estacionado diante de um moinho.

Por Jean Tosetto *

As vezes estou sozinho, dirigindo meu carro, e tenho a impressão de que estou acompanhado. Você está do meu lado, como nos velhos tempos. Sei que para manter esta sensação não posso lhe contar sobre coisas importantes, pois elas me lembram que você se foi para sempre.

Então falo sobre coisas aparentemente corriqueiras, enquanto troco as marchas e vou separando as moedas para pagar o pedágio. Hoje te contei que levei minha filha ao circo pela primeira vez.

Quando o homem voador circulou o picadeiro pelos ares, pendurado numa corda elástica, ela sorriu feito alguém que não sabe conter a felicidade, com seus olhos brilhando como se tivesse feito uma grande descoberta.

O vendedor ambulante apareceu com uma pistola de plástico, que atira bolhas coloridas por um efeito luminoso. Ela encheu a minha cara com essas bolhas e fingi que fui atingido, caindo de lado. Ela gargalhou e, se eu soubesse que isso era tão bom, teria me casado bem antes.

Será que a minha esposa se daria bem com você? Que pergunta tola. Você sempre se deu bem com todo mundo. Acho que a sua patroa é que teria algumas rusgas com a cunhada, de vez em quando, pois casamos com duas mulheres de personalidade forte. Também sinto falta dela.

Segura aí que eu vou descer para a terceira no câmbio, para nós subirmos essa encosta. Sinta o cheiro dos eucaliptos... Aproveite, pois vão derrubar todos em breve, ou tocar fogo neles. Sempre que passo por aqui vejo menos árvores.

Olhá lá, estamos chegando no moinho. Milagre: hoje ele está funcionando. O som das rajadas de vento movendo as pás é sublime. É o som do tempo passando, vencendo o atrito das peças de madeira.

Vamos abaixar a capota. Depois de tantos anos ainda curto os acenos das pessoas nas calçadas. As crianças apontam o dedo para o carro. Sei que os sorrisos não são para mim, mas surfo pela energia positiva emanada em nossa direção.

Quer dirigir um pouco?

E aquela doce impressão vai embora com o vento. Não há uma construção engenhosa para segurá-la no chão. Gostaria de criar um moinho de vento que pudesse moer a a saudade que sinto de você, meu querido irmão.

* Publicado originalmente no Facebook em 18 de outubro de 2015.

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