As 24 Horas de Le Mans

Alfa Romeo 8C - 1933.
Alfa Romeo 8C - 1933.
Uma pequena cidade no interior da França se converte na capital mundial do automobilismo durante os meses de junho, por causa de uma corrida que vale por um campeonato. 

Texto e desenhos de Jean Tosetto *

A categoria mais popular do automobilismo no Brasil é a Formula 1, devido aos três campeões mundiais que o país forneceu aos entusiastas – Fittipaldi, Piquet e Senna – e pela grande cobertura do principal canal de TV aberta nacional. Mesmo a Fórmula 1 vem perdendo espaço numa época em que a juventude não se dispõe mais a ficar quase duas horas acompanhando uma transmissão esportiva, sem que algum estímulo da Internet lhe desvie a atenção.

A pouca cobertura da imprensa e a ausência de pilotos brasileiros em equipes de fábrica talvez explique o fato das 24 Horas de Le Mans – a mais antiga e importante corrida de resistência para automóveis, pilotos e mecânicos do mundo – não ser tão difundida no Brasil; situação diversa da Europa, América do Norte e Japão, onde o público torce também pelas marcas oriundas de seus países. Nestas regiões a disputa - envolvendo carros grand turismo e protótipos - é aguardada com grande antecedência.

Desde os primórdios, ainda na década de 1920, as 24 Horas de Le Mans foram concebidas para promover o desenvolvimento tecnológico dos carros. As primeiras marcas a colecionar triunfos nas estradas francesas que compõem o circuito foram a Bentley e a Alfa Romeo. A Bugatti, dona da pequena pista de testes que empresta a linha de partida da corrida, venceu apenas duas vezes neste período.

Na década de 1940, em função da Segunda Grande Guerra Mundial, as provas foram canceladas. Somente nos anos de 1950 Le Mans retomou seu prestígio, ao ver nascer uma histórica rivalidade entre a Jaguar e a Ferrari.

Jaguar D-Type - 1955.
Jaguar D-Type - 1955.

Um pavoroso acidente na edição de 1955 marcou a história de Le Mans. O choque entre o Austin-Healey de Lance Macklin com a Mercedes de Pierre Levegh foi tão traumático que provocou a morte instantânea do segundo piloto, com os destroços dos carros voando pelas arquibancadas vitimando mais de 80 espectadores.

Em função desta tragédia a Suíça proibiu as corridas automobilísticas em seu país e a Mercedes se retirou do esporte até o fim da década de 1980.

A Ferrari seguiu triunfante nos anos 60, quando a rivalidade passou a ser com a Ford, interessada em aumentar suas vendas no mercado europeu. O Ford GT 40 conseguiu quatro vitórias consecutivas com suas duplas de pilotos, transformado este modelo num ícone de sua geração.

Ferrari 330 P4 - 1967.
Ferrari 330 P4 - 1967.

Le Mans notabilizou-se também por seu estilo da largada peculiar, no qual os pilotos ficavam na margem oposta da pista onde os carros se alinhavam um atrás do outro, formando ângulos de 45 graus com a linha dos boxes. Ao sinal do diretor de prova, os pilotos corriam para atravessar a pista, dar partida nos motores e arrancar para a corrida.

Este modo de largada foi abandonado na virada dos anos 70, por causa de um apelo por racionalidade do piloto belga Jacky Ickx. Em 1969 ele esperou todos largarem, saiu caminhando para o seu carro e mesmo assim venceu a corrida a bordo de seu Ford GT 40, em parceria com Jackie Oliver. Na mesma edição, um acidente logo na primeira curva vitimou John Woolfe: os comissários de pista verificaram que ele, na pressa de largar, não havia afivelado seu cinto de segurança. Em 1970 a largada se deu com os carros ainda postados em diagonal, mas já com os pilotos devidamente posicionados nos cockpits. Desde 1971 a largada é feita em movimento, com os bólidos seguindo um pace car.

É neste período de transição que o cinema nos brindou com um dos filmes mais festejados sobre o automobilismo. Com o mesmo nome da famosa corrida de Le Mans, a película estrelada por Steve McQueen com direção de Lee H. Katzin é quase um documentário fiel da época. O próprio Steve MacQueen guiou carros alemães da Porsche em várias cenas, retratando a dificuldade de manter a concentração ao volante por horas a fio, num circuito com mais de treze quilômetros de extensão, mesclando dezenas de carros de quatro categorias diversas, com velocidades médias variadas – os protótipos mais velozes atingem velocidades superiores a 350 km/h ao passo que carros do tipo GT podem correr abaixo dos 250 km/h, nem sempre na mão de pilotos profissionais, uma vez que amadores milionários pagam para correr em equipes menores.

A dificuldade adicional se dá pelo horário da largada: quatro horas da tarde, o que significa que os carros atravessam a noite e a madrugada cruzando fachos de luz intensa de seus potentes faróis nos retrovisores dos carros à frente.

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A Porsche, por sua vez, reinou quase absoluta por duas décadas, configurando-se na recordista de vitórias em Le Mans – 16 triunfos no total, deixando pouco espaço para marcas francesas como Matra e Peugeot. No miolo dos anos 80 a Porsche conseguiu a façanha de vencer em Le Mans com equipe própria e sagrar-se campeã também da Formula 1, fornecendo motores para a equipe McLaren.

Em 1991, quando a competição já admitia o revezamento de três pilotos em cada carro, ocorreu a única vitória da equipe japonesa da Mazda, uma das mais comemoradas de todos os tempos. Mas foi outra fabricante alemã, a Audi, que passou a se destacar desde então, chegando ao terceiro milênio com triunfos sucessivos que ajudaram o piloto dinamarquês Tom Kristensen a ser o recordista individual de vitórias – nove no total, com a impressionante trajetória de seis conquistas consecutivas.

Toyota TS040 Hybrid - 2014.
Toyota TS040 Hybrid - 2014.

As 24 Horas de Le Mans continuam sendo um campo avançado de experiências tecnológicas que podem chegar aos carros de rua dentro de alguns anos. O uso do diesel como combustível alternativo à gasolina já demonstrou ser eficiente. A mais recente fronteira a ser explorada são os carros híbridos, que mesclam motores à combustão com motores elétricos, visando diminuir o consumo de combustíveis fósseis e desenvolver os sistemas de armazenamento de energia elétrica nos veículos.

A Audi segue como a marca a ser batida nesta segunda década do século XXI. A japonesa Toyota voltou a investir pesado para ingressar no rol das fabricantes vitoriosas em Le Mans, que integra atualmente o campeonato mundial de Endurance, conhecido pela sigla inglesa “WEC”, de “World Endurance Championship” – que inclusive já teve etapas com seis horas de duração no circuito de Interlagos, em São Paulo. Porém, ninguém pode negar que Le Mans, sozinha, vale por um campeonato inteiro.

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* Jean Tosetto é arquiteto desde 1999 e editor do site mplafer.net desde 2001. É também autor do livro “MP Lafer: a recriação de um ícone” - lançado em 2012. 

RevistaMotorMachine.blogspot.com.br



 Este artigo foi publicado originalmente na Revista MotorMachine número 08, em maio de 2014.

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