As 24 Horas de Le Mans de 1967 - parte 1

O site mplafer.net apresenta, em três partes, uma reportagem histórica de Larry Collins e Dominique Lapierre, condensada do Suplemento Dominical do Times de Nova York e publicada pela primeira vez, em português, na revista Seleções do Reader´s Digest em dezembro de 1967- exatamente há 40 anos!

Nos últimos quatro anos, essas extenuantes 24 horas de teste de homens e máquinas transformaram-se numa intensa batalha de titãs – Ford versus Ferrari. Este ano, quando a bandeira de partida baixou, estava dois a um a favor da Ferrari...

Uma vez por ano, numa obscura povoação agrícola francesa, 216 quilômetros a sudoeste de Paris, 55 carros e 110 homens se empenham na mais extenuante prova automobilística – as 24 horas do Grande Prêmio Le Mans. Nessas 24 horas, Le Mans é um gigantesco parque de diversões ao ar livre, uma espécie de piquenique para 400 000 aficionados de corridas que suportam multidões, calor, barulho e chuva para verem máquinas de corrida passarem a velocidades tão grandes que a vista mal pode se ajustar a elas.

Conhecido oficialmente como o Grand Prix d´Endurance, essa corrida é mais que um simples evento esportivo. Nos últimos quatro anos, a rivalidade de dois competidores tem dado a Le Mans um sabor especial. Os rivais são a firma italiana de Enzo Ferrari, cujos carros vermelho-sangue durante muito tempo dominaram a corrida, e a Ford americana, que em 1964 começou a participar de corridas automobilísticas de grandes distâncias com um único objetivo: vencer em Le Mans.

Inevitavelmente, a competição é apresentada como uma batalha entre Davi e Golias, uma competição entre as habilidades artesanais do Velho Mundo e a concentração do poder tecnológico do Novo Mundo. Mas, como observou um engenheiro da Ford, “só se produzem carros de corrida de uma maneira – com as mãos, numa oficina”. A Ferrari tem apenas 498 empregados, e 126 trabalham no seu programa de corridas. A Ford tem mais de 365 000 empregados, mas apenas 50 deles estão designados para as corridas, apoiados por outros 75 distribuídos em duas firmas que preparam os carros da Ford para correr. A Ford é extremamente suscetível com referência ao volume do seu orçamento para corridas. É indubitavelmente maior que o da Ferrari.

O que realmente diferencia os dois competidores são as suas motivações e as suas técnicas. Henry Ford II é um entusiasta de corridas, mas isso está longe de ser o seu principal interesse na vida. A Ford compete para promover a venda de outros automóveis. William Reiber, diretor da Ford francesa, atribui 80% das vendas do Mustang na França ao sucesso da sua firma em Le Mans.

Enzo Ferrari compete porque isso é tudo o que ele quer na vida. Conhecido como il Commendatore, Ferrari se interessa mais pelas corridas que pelas 800 Ferraris que saem de sua fábrica anualmente, brinquedos de 10 000 dólares destinados aos ricos e famosos. Principalmente depois que o seu filho morreu de leucemia com 24 anos de idade, Ferrari tem se dedicado às suas corridas durante os sete dias da semana, 10 horas por dia. Nos últimos 20 anos os 146 protótipos produzidos pelo mago solitário de Maranello correram mais rápidos e ganharam mais corridas do que os de qualquer outra fábrica existente.

Ferrari ganhou os dois primeiros encontros Ferrari-Ford em Le Mans, em 1964 e 1965, quando todos os Fords sofreram avarias. Em 1966, foi a vez da Ford. Todas as Ferraris inscritas pela fábrica retiraram-se; a Ford conquistou o primeiro, segundo, e terceiro lugares.

Este ano il Commendatore estava resolvido a retribuir à Ford a humilhação de 1966. O carro com que tencionava fazer isso era o P-4, um novo protótipo comandado por um motor de quatro litros, 12 cilindros e 450 H.P. Embora Ferrari produza motores mais potentes para os seus carros de linha, ele busca para um carro de corrida a melhor relação potência-peso. O P-4 pesa apenas 850 quilos e freia com mais rapidez, é de mais fácil manobra e oferece uma caixa de transmissão mais dócil que seus rivais.

O carro inscrito pela Ford, o Mark IV, era um reflexo das necessidades comerciais da companhia. Seu motor, um modelo de sete litros, derivado de uma linha básica de produção, permitia a firma associar os carros de passageiro aos de corrida no seu programa de propaganda. O motor deu ao Ford bem mais de 500 H.P. e uma vantagem de 25 a 30 km/h sobre a Ferrari na longa reta de retorno da pista de Le Mans. Mas pesava 1 000 quilos e exigia mais tempo para frear e mãos mais sensíveis ao volante.

Disciplina versus desordem

A corrida de 1967 foi realizada no dia 10 de junho, sábado. À medida que a hora da largada, quatro da tarde, se aproximava, Franco Lini, diretor de corridas da Ferrari, e seu colega da Ford, Jacques Passino, andavam nervosamente de um lado para o outro, a uns poucos metros da linha de partida. Naqueles últimos momentos as diferenças entre as equipes eram extremamente evidentes.

A equipe da Ford era um modelo de disciplina e eficiência, sendo seus dias em Le Mans governados por programas diários mimeografados. Na bancada da cada boxe de atendimento, os mecânicos haviam distribuído suas ferramentas com a precisão de uma sala de operações. Por trás das ferramentas estavam empilhados os pneumáticos sobressalentes, cada um com o seu destino marcado a giz.

A área da Ferrari, a uma centena de metros de distância, era, em comparação, uma espécie de Nápoles em miniatura... com toda a sua confusão, barulho e encanto. Mecânicos vestidos com macacões escarlates com o símbolo da Ferrari (um garanhão preto rampante) empurravam, gritavam e abriam caminho através de um aglomerado de ferramentas, trapos, peças sobressalentes e pneumáticos. Mas sob a aparente desordem havia um minucioso profissionalismo adquirido em mais de 18 anos em Le Mans.

Tanto Lini como Passino fizeram uma revisão de sua estratégia. A tática de Lini era simples: grudar na traseira do Ford; estar pronto para pular para a frente quando os americanos fraquejassem. Ele estava convencido de que os americanos não agüentariam as 24 horas inteiras.

O plano de Passino, entretanto, era igualmente prudente. Tinha ordenado aos seus corredores que cobrissem a pista de 13,45 km em 3m 32s. Os testes de fábrica, feitos com o auxílio de computadores, haviam indicado que seus motores podiam funcionar pelo menos 41 horas naquela velocidade.

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