As 24 Horas de Le Mans de 1967 - parte 2

Liderança prematura

A pista de Le Mans é de forma mais ou menos retangular: uma coleção de estradas secundárias asfaltadas de duas pistas, com uma variedade de curvas em ziguezague e retas. Para os corredores, os perigos de Le Mans são apresentados não tanto pela pista como pelo que há nela – 55 carros de diversas capacidades de motor (alguns podem desenvolver apenas 200 km/h nas retas mais extensas, onde os Fords e as Ferraris alcançam 300) e 110 volantes de diversos graus de perícia (inclusive amadores ricos). A corrida é ganha pelo carro que cobrir a maior distância nas 24 horas. O vencedor recebe um prêmio de 16 000 dólares, soma pouco significativa para os patrocinadores, quer seja o fabricante de automóveis, quer sejam equipes particulares de corrida. O dinheiro do prêmio não dá para cobrir as despesas.

A corrida deste ano começou com a largada tradicional de Le Mans – os participantes correndo através da pista em direção aos seus carros como um grupo de fantasmas em seus macacões brancos á prova de fogo. Um a um os carros partem guinchando, deixando no pavimento atrás de si grandes faixas pretas de borracha queimada. Minutos mais tarde, todos os olhos estão voltados na direção da longa reta que leva aos boxes e arquibancadas, esperando que apareça o primeiro carro. Um grito subiu dos boxes americanos: surge um Ford azul, seguido por mais dois Fords.

- Espero sinceramente que a paisagem seja a mesma amanhã às quatro da tarde – disse Passino.

Nos boxes da Ferrari, Franco Lini observava impassível. Ele sabia que muita coisa podia acontecer em 24 horas.

Após uma hora de corrida, a Ford mantinha os três primeiros lugares, e pouco depois de seis horas da tarde a segunda equipe de corredores da Ford avançou, pronta para trocar de lugares com os seus colegas. A multidão aplaudiu quando o carro vermelho brilhante n.º 1, de Dan Gurney, liderando a prova, encostou. Gurney pulou para fora e galgou o estrado onde o aguardava o seu parceiro, A. J. Foyt, vencedor da corrida de Indianápolis deste ano. Poucos minutos depois Ludovico Scarfiotti encostou no boxe da ferrari para reabastecer-se. Quando ele se preparava para arrancar novamente, o funcionário de Le Mans que deveria trancar o seu tampão do tanque de gasolina tinha desaparecido. Lini, furioso, encontrou-o atrás do boxes, bebendo.

- Escute! – gritou Lini enquanto o arrastava até o carro. – Ele está arriscando a vida para obter vantagem de três segundos, e você o faz perder três minutos! É Um escândalo!

A multidão, lá em cima, vaiava o encarregado de trancar o tanque.

Às 10 horas da noite o Ford n.º 1 de Gurney-Foyt tinha aumentado a dianteira para quatro voltas; uma Ferrari estava em segundo lugar, acossada, porém, por dois outros Fords. Lini começava a mostrar preocupação. Pouco antes ele tinha admitido que “se a Ford estiver duas voltas na nossa frente às 22 horas, nós podemos ficar em apuros”. Rapidamente, ele e o engenheiro Mauro Forghieri debateram se deviam ou não aumentar a velocidade. Decidiram esperar. Estava escuro agora; os seus pilotos, mais acostumados com as corridas noturnas da Europa, poderiam tirar vantagem sobre os Fords.

Poucos minutos mais tarde, a Ford sofreu a sua primeira perda devido a uma falha mecânica – o carro azul n.º 4 de Dennis Hulme e Lloyd Ruby. Mas também a Ferrari estava tendo dificuldades. Lini verificou, ansioso, que o seu carro n.º 20 não tinha passado pelas arquibancadas. A 1 500 metros de distância o seu piloto, Chris Amon, tentava mudar um pneumático, praguejando na escuridão porque ninguém tinha colocado uma lanterna elétrica no seu carro e porque a cabeça de um martelo defeituoso saía do cabo todas as vezes que ele dava uma martelada na roda. Trinta minutos mais tarde, o comissário de corridas entrou pesaroso no reservado da Ferrari e entregou a Lini um pedaço de metal escurecido. Era tudo o que sobrara do n.º 20, um automóvel de 80 000 dólares. Não tendo conseguido trocar o seu pneumático furado, Amon tentou conduzir o carro de volta, mas a fricção incendiou o pneumático e em seguida o carro, dando a Amon apenas alguns segundos para escapar. Poucos minutos mais tarde, uma segunda Ferrari estava fora da corrida – com problemas de injeção de combustível. Pouco antes da meia-noite, a Ferrari que estava mais adiantada, de Ludovico Scarfiotti e Mike Parkes, foi forçada a trocar os seus freios a disco. Perderam-se oito minutos, o equivalente a mais de duas voltas.

A Ferrari P4 de Mairesse-Beurlys seguida pelo Ford Mark IV de MacLaren-Donohue.

Pedaços de automóvel por toda a parte

À medida que a extenuante corrida se desenvolvia, a multidão nas arquibancadas ia rareando. Por trás dos boxes, os chefes da equipe da Ford tomavam café em copos de papel, as barbas começando a apontar em seus rostos. Às três e meia da manhã, vencida quase metade da corrida, Passino, batendo os pés para fugir do frio da madrugada, podia sorrir com confiança. A Ford tinha três carros lutando pela primeira colocação, seis carros no grupo dos 11 primeiros.

Havia menos confiança nos boxes da Ferrari. Outra máquina tinha sido forçada a abandonar a prova com problemas mecânicos. Por trás dos boxes, Lini esmagou um cigarro na grama úmida de orvalho e murmurou:

- Se os Fords tiverem que quebrar, gostaria que começassem agora.

Pouco depois um deles sofreu uma avaria. O carro n.º 2 de Mark Donohue e Bruce MacLaren recolheu-se ao boxe com a embreagem patinando. Os mecânicos se atiraram sobre ele. Passino ficou junto, segurando uma lanterna para os seus operários. De repente um som, semelhante a um alarma contra ladrões encheu o ar. Lá em cima na ladeira dos boxes, próximo à linha de partida, piscava uma luz amarela.

- Houve um acidente – disse Passino. – Comece a contar os nossos carros.

O silêncio baixou sobre as arquibancadas. Os mecânicos da Ford, aglomerados na borda de seus boxes, gritavam os números de seus carros à medida que passavam.

- Alguém viu o 3 e o 5? – gritou alguém na escuridão.

- E o 6? – acrescentou outra voz.

Os faróis passavam em desfile; em seguida uma voz angustiada disse:

- Aquele Porsche já passou uma vez. Todos eles estão passando novamente.

O piloto Mario Andretti, da Ford, no n.º 3, um carro vermelho-ferrugem, tinha entrado em uma curva, logo depois da famosa ponte Dunlop, a 240 km/h, quando perdeu o controle. O carro bateu de um lado para o outro entre as paredes, rodopiando finalmente até parar no centro da pista. Atrás dele, Roger MacCluskey no carro dourado n.º 5 entrou na curva com a mesma velocidade... e viu o carro de Andretti bem na sua frente. MacCluskey encostou o seu carro de encontro à parede e entrou em uma violenta derrapagem, batendo de uma parede para a outra até que, também ele, ficou com o carro parado no centro da pista. Quinze segundos mais tarde Jo Schlesser, no Ford n.º 6, a 176 km/h, tentou achar caminho através dos destroços. Conseguiu avançar até os restos do carro de MacCluskey. Em seguida derrapou também.

Nenhum dos três homens ficou seriamente ferido – os Fords possuem todo tipo de proteção para o motorista – mas o piloto seguinte que chegou para o reabastecimento informou:

- É terrível. Há pedaços de automóvel por toda a pista numa extensão de 300 metros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

O seu comentário construtivo será bem vindo. Não publicaremos ofensas pessoais ou dirigidas para qualquer entidade. EVITE ESCREVER SOMENTE COM MAIÚSCULAS. Não propague spam. Links e assuntos não relacionados ao tema da postagem serão recusados. Não use termos chulos ou linguagem pejorativa.