Reproduzimos, a seguir, a reportagem de Paulo Roberto Cardoso Gomes e Paulo Celso Facin, publicada originalmente no jornal O Estado de S. Paulo em 28 de setembro de 1975.
Acompanhamos o desenvolvimento do MP desde o anúncio de sua criação pela Lafer, por ser a primeira tentativa brasileira de se reproduzir em série a réplica de um automóvel famoso e de estilo definitivo: o MG de 1952. Entretanto, só pudemos entrar em contato mais direto com o carrinho recentemente, e posteriormente ao seu lançamento no último Salão do Automóvel. Quando recebemos o "nosso" MP-Lafer amarelo para avaliação, o modelo já era um velho conhecido.
Mas, uma coisa é travar contato com um automóvel de fora, numa exposição por exemplo, ou experimentá-lo por alguns minutos apenas, e outra muito diferente é conviver com ele por duas semanas.
Em primeiro lugar, é necessário observar que o MP-Lafer só tem em comum com o modelo original, que tenta reproduzir, a aparência. E, embora seja, afinal, justamente a aparência que mais vende um automóvel, é importante compreender que o MP é um veículo acabado completo.
Nesse sentido, ele não é uma imitação. Ele aproveitou do MG 1952 apenas o estilo. De resto, ele é tão individualizado quanto qualquer outro veículo que incorpora componentes de outras marcas de fábrica, como os Puma, ou o Gurgel Xavante.
Nossa avaliação se refere, portanto - vamos deixar bem claro - ao MP-Lafer e não "à réplica do MG 1952".
Nem era essa, de fato, a intenção da Lafer. Parece-nos que ela não quis "produzir a réplica do MG" mas aproveitar o desenho deste para produzir um carro com características próprias. As alterações drásticas do MP em relação ao MG começam posicionamento do motor - traseiro em vez de dianteiro - o que por si só modifica todo o comportamento do automóvel (todo o peso do MP, inclusive os dos ocupantes, se localiza na traseira). Ademais, a "réplica" (com as necessárias aspas) tem carroçaria de fibra de vidro. Portanto, o peso do carro em ordem de marcha é outro, e características técnicas como, por exemplo, o centro de gravidade do veículo, sofreram modificação.
O MGTD nasceu modestamente em 1951, num projeto da Morris Garages destinado a fazer história no automobilismo. Os para-lamas saltados, formando conjunto com os estribos, os faróis individuais salientes sobre os para-lamas, o capuz do motor alongado para receber o motor de quatro cilindros e 55 HP, de 1.250 centímetros cúbicos de cilindrada, (MGTC-1950) a traseira curta, com o lugar do estepe marcado na carroçaria, eram a marca registrada do carrinho que apaixonou toda uma geração. A "baratinha", como era então chamada, tornou-se símbolo de alegria e liberdade em todo o mundo. O automóvel original não desenvolvia velocidade máxima superior a 120 quilômetros.
Na década de 50 ainda era possível andar vagarosamente pelas estradas e o sonho de todo jovem era andar ao sol, capota arriada, para-brisas tombado (hoje proibido). Nesse sentido, o MG era um carro esporte puro sangue. Quando a onda da nostalgia provocou um febre de fabricação de réplicas de modelos famosos, nos Estados Unidos fabricava-se e ainda se fabricam Rolls-Royce, Isotta-Fraschini, Ferrari, Alfa-Romeo e Bugatti, a Lafer pensou em lançar no Brasil o MG clássico, que teria garantidamente dois importantes pontos de venda: o desenho consagrado e a simplicidade mecânica, Volkswagen. Os protótipos começaram a rodar em maio de 1974, com motor VW 1.500. As únicas modificações necessárias: freio de estacionamento, pedaleira e alavanca de mudanças. Depois, o MP passou a receber o motor Volkswagen de 1.600 centímetros cúbicos vertical (60 HP) e mais recentemente adotou a dupla carburação, a mesma do VW-Brasília. Aliás, o carro é montado sobre um chassi de Brasília, com a única importante diferença de que dispõe de suspensão dianteira independente. A direção é mecânica, com amortecedor hidráulico. O carro básico é acarpetado, inclusive porta-malas (dianteiro) com tapete de buclê de nylon. O painel apresenta marcador de gasolina, velocímetro-odômetro (comum) e contagiros. Opcionalmente vem com rodas de magnésio (tala 14"x 6") pneus radiais (175 SR 14), relógios de pressão de óleo, temperatura do óleo e amperímetro, três faróis auxiliares de iodo, estofamento de couro e teto rígido removível. O preço básico é de Cr$ 64.521,00 e, com os opcionais, pode chegar perto de 75 mil cruzeiros.
O AUTOMÓVEL
Sem dúvida, o que [...] convence no MP-Lafer é justamente o MG (que ele não é). Dessa forma, ele pode atrair dois tipos básicos de compradores: o que teve o MG e quer reviver a sensação de possuí-lo; e o que gostaria de ter tido. Não há dúvida de que um e outro só se sentirão satisfeitos se conseguirem superar a decepção inicial, e isso justamente porque o MP não se parece senão com ele mesmo, quanto ás reações. Para usar uma fórmula antiga: você olha para ele e está vendo um MG; dá a partida e percebe que está dirigindo um Volkswagen MP Lafer. E, se não estiver preparado para isso, poderá sentir se frustrado.
Em, nossa avaliação, chegamos à conclusão de que o MP-Lafer é um excelente terceiro carro. Ou um segundo carro para quem aprecie bastante o estilo Morris Garages. Ou um ótimo primeiro carro para um jovem. Não há dúvidas de que, ao volante do carrinho, capota arriada, vento no rosto, rodando pelas estradas do litoral, toda a irresistível atração (nostálgica) da famosa "baratinha" retorna, o ruído do motor Volkswagen à traseira é dissipado pelo vento e pelo sonho, a impressão de velocidade é multiplicada pelo carro aberto, e o MP se transforma a nossos olhos num esporte verdadeiro. É nessas horas, ao calor e ao sol, que o MG brasileiro cumpre seu papel de máquina de rejuvenescimento - (um termo criado pela equipe do ST para definir o Gurgel xavante).
Em viagens longas, porém, quando se torna necessário manter velocidade de cruzeiro, ou sob condições adversas (chuva, poeira, frio), ou aprisionado num grande congestionamento urbano, o MP-Lafer se mostra como um cisne fora d'água. Criado para transmitir liberdade, ele próprio necessita de liberdade, tanto de espaço, quanto de tempo. Quem se decidir pelo MP terá que jogar seu relógio fora. Fizemos a avaliação do MP-Lafer como se ele fosse um carro comum: experimentando em trânsito urbano e em tráfego rodoviário, em asfalto e terra, em velocidade de passeio ou viagem, era como se o carrinho nos mostrasse, alternadamente, duas imagens opostas. A 60/80 quilômetros, numa estrada asfalta e deserta, conseguimos extrair dele uma imensa alegria (vento no rosto e capota arriada). A 120 quilômetros (e não recomendamos isso para ninguém) em rodovia com fluxo de tráfego pesado ou a 100 quilômetros, capota levantada, sob garoa fina, mais de um de nossos avaliadores começou a achar o carro "esportivo demais". E foi justamente essa expressão que nos levou, mais tarde, a considerar que o MP-Lafer não é um carro para todo serviço, mas apenas um elegante, incomum e bem dosado carrinho exclusivamente de passeio. Isso é: nostalgia à parte, as necessidades de transporte e as condições atuais de trânsito talvez tenham condenado para sempre o "esporte para dois lugares puro sangue", como único automóvel a se ter na garagem.
Nota do editor do site mplafer.net: o conversível amarelo desta peça de publicidade é o mesmo que foi utilizado pela equipe de avaliadores do jornal Estado de S. Paulo em 1975. |
Um cartaz de publicidade do MP-Lafer diz: "O çarro dos anos 70". Independentemente da construção, talvez, nestes anos 70, o MP seja mesmo um "çarro". Mas não um carro, justamente porque não pode ser submetido a todas as condições de tráfego que hoje se apresentam. Com a capota de lona, a mais de cem quilômetros horários e com fortes ventos laterais, o carrinho se comporta como se estivesse navegando a vela, pois a estabilidade direcional em velocidade de cruzeiro fica bastante prejudicada. Como todo o peso está atrás, a estabilidade em desaceleração é sofrível. Aliás, quanto à estabilidade, ele só se comporta bem em aceleração e em curvas de baixa e média velocidade. Em curvas de alta velocidade, ele se comporta, na expressão de um de nossos avaliadores, "como um malcriado". Com o aumento da velocidade, o MP mostra tendência de sair repentinamente de traseira, perde aquela característica neutra das curvas de baixa e ligeiramente sub-esterçante das curvas de média. De resto, em baixa velocidade a traseira agarra firme e o mais difícil é fazer o automóvel retornar à reta, uma vez completada a curva. Como toda a parte dianteira é surpreendentemente leve, qualquer mudança de direção é feita "sob protesto" e em nenhum momento convém obrigar o carro a desviar-se de seu curso sem proporcionar-lhe toda a aderência que se for capaz de reunir. Mudanças bruscas de direção a mais de cem quilômetros são praticamente proibitivas, principalmente se se juntar a isso a desaceleração. Um cachorro numa rodovia, por exemplo, é um imprevisto perigosíssimo para o carrinho, pois a tendência do motorista nessa situação é desacelerar e freiar.
Não chegamos a fazer a experiência, mas acreditamos que se o peso na dianteira do automóvel fosse maior, ele melhoraria bastante quanto à estabilidade. Alguns quilos a mais no porta-malas já fazem com que ele se comporte de maneira mais civilizada. E quem quiser ter a sensação (proibida) de correr a mais de 120 quilômetros num MG se sentirá bem mais confortável se colocar alguns sacos de bagagem no porta-malas. De qualquer modo, do ponto de vista da direção, é mais agradável viajar com a capota arriada, o que faz com que ele ganhe um pouco de estabilidade. Agora, sob chuva forte, o melhor mesmo é deixar o carro em casa. Porque, com capota ou sem ela (nos referimos apenas à capota de lona, não experimentamos o MP com teto removível) vai ser sempre frio e desconfortável.
A suspenção dianteira independente e o sistema de barras de torção fazem com que ele se comporte bem nas estradas de terra, mesmo com pneus radiais. A única coisa que ele definitivamente não gosta é de "costela de vaca" (nesse sentido, é um autêntico vegetariano). Mas em terra, facões de areia e barro, embora esteja a poucos centímetros do chão, seu desempenho é mesmo surpreendente, ante suas características. Ocorre que, se o carro suporta bem estradas não-asfaltadas, o mesmo poderá não ocorrer com seus ocupantes, já que estes, capota arriada ou não, vão receber muita poeira.
Quanto ao desempenho puro e simples, sem levar em conta condições de habitabilidade, o carro é bastante bom. Na retomada de velocidade, vai de 80 a 120 em 17 segundos (com capota) e em 16 segundos (sem capota). O velocímetro apresenta erro aproximado de cinco por cento. Mas ele não é um automóvel para ser dirigido em alta velocidade. Acreditamos que sua velocidade de cruzeiro ideal gire em torno dos 80 quilômetros , que é quando se torna perfeitamente controlável em qualquer situação (e ante qualquer imprevisto). Gostoso de dirigir, em grande parte por causa de sua direção (mecânica, com amortecedor hidráulico), ele não pode ser considerado, de fato, um GT, embora seja rápido.
O relacionamento banco pedais é prejudicado em parte pelo espaço exíguo e, com capota, o espaço para cabeça fica bastante prejudicado, assim como a visibilidade traseira e lateral. Capota arriada, a visibilidade é obviamente total, a não ser para a frente. O desenho do caro esconde aproximadamente 20 centímetros da parte dianteira. Os faróis cromados como manda o bom estilo, oferecem ainda um inconveniente: refletem demais o sol quando inclinado, de modo que o motorista é obrigado a viajar constantemente com reflexos nos faróis e também no para-brisa, em fim de tarde, por exemplo. Embora sacrificando o estilo, a solução seria pintar faróis e cromados com tinta fosca, cinza-metálico por exemplo. De resto, o MP altera um pouco a economia do motor Volkswagen. Continua a fazer uma média geral (cidade e estrada) de 9,6 quilômetros com um litro de gasolina. A 80-90 quilômetros, em rodovia, o motor 1.600 faz 11 quilômetros com um litro, consumo que cai para 7 km/litro a mais de 120 quilômetros por hora, o que, repetimos, não é aconselhável.
Este aumento exagerado se explica: com "radiador" vertical à frente, mais os para-lamas que formam correntes pouco aerodinâmicas, mais o para-brisa reto e vertical, o MP-Lafer oferece uma grande superfície de arrasto ao abrir seu caminho pelo ar. Maior arrasto, maior a força que o motor deve desenvolver para atingir determinadas velocidades, e maior também o consumo apresentado. Eis porque seu gasto cai para apenas sete quilômetros por litro em estrada, se se insistir em manter velocidades elevadas de cruzeiro.
Quanto ao nível de ruído interno, num carro conversível tipo esportivo, torna-se item obviamente prejudicado, motivo pelo qual deixamos de submetê-lo á medições com decibelímetros.
"Nosso" MP-Lafer era ainda um modelo 1975, embora já com novidade da dupla carburação e, por tanto, apresentava lanternas do VW 1.500. Agora, o desenho da lanterna traseira será diferente, de modelo ainda não definido, mas de estilo bem próximo à do original de 1952 [1]. Virá, opcionalmente, com rodas raiadas inglesas [2]. As rodas nacionais, até então de magnésio, serão de material que permite melhor usinagem e acabamento. A vedação e o acabamento geral também sofrerão modificações, embora sem modificar a aparência externa.
E embora sem modificar nosso sistema de atribuição de notas, nesta primeira avaliação do MP-Lafer deixaremos de publicá-las, por considerar que os gabaritos atribuídos a carros comuns poderiam prejudicar o MP, que pretende ser uma réplica de um carro famoso. embora avaliado apenas como um novo produto, não podemos deixar de considerar que o fato de ser também uma réplica implica em limitações próprias, capazes de afetar o desempenho geral de um carro comum.
CONCLUSÃO
O MP-Lafer é um MP. E o MG será sempre um MG. Válido como peça importantíssima da moda nostálgica, o Lafer poderá proporcionar alegria ao seu proprietário, desde que este não espere encontrar no MP senão o que realmente é:
Um Volkswagen que aproveitou (e bem) o estilo do MGTD 1952. Sua linha 1976, que será brevemente apresentada ao público, não sofrerá modificações de ordem externa mas receberá incontáveis melhorias de acabamento (já bastante bom) e de vedação (hoje um pouco prejudicada). Considerando seu elevado preço básico, e levando em conta ainda que o valor de revenda pode sofrer fortes oscilações, torna-se claro que o MP Lafer se destina a uma faixa de mercado bastante limitada, especialmente por se constituir num "carro jovem". Esta é, aliás, sua característica mais marcante: um veículo esporte de linhas nostálgicas, apropriadíssimo para jovens, ainda que só de espírito.
Notas:
[1] Em 1976 o MP Lafer passou a usar lanternas traseiras inspiradas no modelo usado no MGB, fabricado na Inglaterra entre 1962 e 1980.
[2] As rodas raiadas opcionais do MP Lafer não foram importadas da Inglaterra, mas fabricadas no Brasil, simulando os raios em forma de calota afixada na roda convencional lisa, a partir de um parafuso central.
Veja também:
Hoje há 50 anos atrás um construtor e fabricante de móveis patenteados começou a produzir um carro em série em sua fábrica de móveis patenteados em SBC, na grande São Paulo. Parabéns ao Percival Lafer e toda sua équipe por 50 anos do nosso carrinho dos sonhos, a máquina do tempo, o carro que fez e está fazendo muita gente feliz. FELIZ DIA MUNDIAL DO MP LAFER!
ResponderExcluir