Rally de Atibaia: adrenalina em tração integral



Por Jean Tosetto *

Para sentir-se novo, faça coisas novas. Assimilei este conselho e resolvi acompanhar de perto a última etapa do Campeonato Brasileiro de Rally de Velocidade, realizada na estância turística de Atibaia, no interior de São Paulo, entre os dias 08 e 10 de novembro de 2013.

Fiquei sabendo que o fotógrafo Horacio Zabala iria cobrir o evento para a Revista MotorMachine, da qual sou colaborador deste a primeira edição, então telefonei para ele e praticamente me convidei para fazer parte da trupe, formada pela equipe de Santa Catarina "Na Dúvida... Acelera / RT One", pela qual corre o piloto Toninho Genoin com o navegador Sidinei Broering, na categoria 4x2.

Como já tinha compromissos previamente marcados, só consegui viajar para Atibaia no domingo. Combinamos de nos encontrar no viaduto do km 72 da Rodovia Dom Pedro, e de lá seguiríamos juntos até o posto de observação de uma das baterias mais disputadas do fim de semana.

No entanto, acordei cedo demais e cheguei no local cedo demais. Resolvi ir para o Centro de Convenções onde a organização do Rally estava instalada. Nunca havia entrado na cidade de Atibaia, embora sempre passasse pelo município a caminho do Vale do Paraíba, onde tenho parentes. Mesmo sem GPS - ainda me recuso a ter um - encontrei o caminho para o "circo" logo de primeira, seguindo a boa sinalização da cidade.

Não deu tempo sequer para tomar um café: já partimos para o meio do mato, na linda zona rural de Atibaia, formada pelos contrafortes da Serra da Mantiqueira, a caminho do sul de Minas Gerais, paralelamente à Rodovia Fernão Dias. Fizemos o nosso Rally particular, percorrendo o mesmo trecho da prova para chegar até uma curva fechadíssima, que encerra uma grande reta em nível e desemboca em outra, em declive acentuado.


O Mitsubishi Lancer de  Fábio Dall Agnol e Gabriel Morales vem escorregando nas quatro rodas para apontar o bico da máquina na saída da curva fechada em declive. A dupla venceu a etapa de Atibaia na categoria 4x4.
O Mitsubishi Lancer de  Fábio Dall Agnol e Gabriel Morales vem escorregando nas quatro rodas para apontar o bico da máquina na saída da curva fechada em declive. A dupla venceu a etapa de Atibaia na categoria 4x4.

Ulysses Bertholdo e Marcelo Dalmut ficaram em segundo lugar na categoria 4x4, também com um Mitsubishi Lancer. Foi o suficiente para serem campeões brasileiros em 2013 do rally de velocidade.
Ulysses Bertholdo e Marcelo Dalmut ficaram em segundo lugar na categoria 4x4, também com um Mitsubishi Lancer. Foi o suficiente para serem campeões brasileiros em 2013 do Rally de Velocidade.

É preciso chegar ao local escolhido para a captação de imagens uma hora antes do início da bateria. Depois disso a pista é fechada. Nesse intervalo é possível conhecer outros fotógrafos, cinegrafistas e espectadores comuns, num ambiente temperado pela afinidade e camaradagem, onde as conversas giram em torno de dicas de fotografia e experiências vividas em outras etapas.

Como estacionamos os carros perto demais do escape da tangência da curva, o pessoal da organização nos pediu para recuar os mesmos até o acesso a um sítio bem arborizado. Caminhando de volta para a beira da pista, comecei a estudar uma boa posição para tirar as fotografias.

A orientação geral é para que os fotógrafos fiquem posicionados pelo lado interno das curvas. Inicialmente fui para o lado de fora, mas escolhi um ponto protegido por um barranco de porteira, que me permitiria fazer as imagens e ainda assim ficar protegido, caso algum pombo passasse reto, sem asas.

Quando o carro da organização percorre a pista agitando bandeiras, a adrenalina começa a subir, diante da iminência do início da competição. Como é bom sentir isso pela primeira vez: podemos ouvir o ronco de um motor, baixinho, atrás de um morro. Quando o carro aponta na reta o volume do som aumenta gradativamente. De repente acontece a derrapagem: o carro imbica para a segunda reta e retoma a aceleração. A poeira levanta e o coração dispara. E você dispara a câmera: será que a foto ficou boa?

Na categoria 4x2 Super, o Fiat Palio de Luis Tedesco e Rafael Furtado vence tanto a etapa de Atibaia como o título nacional do ano. Os fotógrafos se preparam para captar a aproximação do bólido.
Na categoria 4x2 Super, o Fiat Palio de Luis Tedesco e Rafael Furtado vence tanto a etapa de Atibaia como o título nacional do ano. Os fotógrafos se preparam para captar a aproximação do bólido.

A recomendação da organização da prova era para os fotógrafos evitarem se posicionar pelo lado de fora das curvas, alguns rompem a linha do bom senso para obter as imagens. Nós ficamos atrás de um barranco.
A recomendação da organização da prova era para os fotógrafos evitarem se posicionar pelo lado de fora das curvas, mas alguns rompem a linha do bom senso para obter as imagens. Nós ficamos atrás de um barranco.

Olhando para aquela curva você imagina que o piloto virá reduzindo até quase estacionar, botando a cabeça para fora para avistar a saída da junção com a próxima reta. Mas não: eles chegam com tudo, escorregam nas quatro rodas, mantém a aceleração e vão embora sem qualquer cerimônia. Alguns se estendem na derrapagem e os melhores pilotos dispensam as correções de rumo. Porém, todos que passaram por ali são pilotos de bravura: é preciso ter muito braço, reflexo e concentração para segurar o carro ali.

Subitamente um fiscal é notificado pelo rádio que uma árvore havia tombado na estrada e que sua remoção retardaria o reinício da prova. Há quem diga que tratou-se de uma sabotagem, de algum morador da zona rural insatisfeito com toda aquela agitação. Depois passei pelo local e vi alguns galhos remanescentes, bem verdejantes. Um fato a lamentar.

Sem nada para fazer - e isso na verdade foi muito bom - deu para curtir a paisagem e lembrar da fome, atenuada com barras de cereais, maçãs e sanduíches de pão de forma socializados pela turma velha de guerra. Era como estar numa pescaria, jogando conversa fora.

Resolvi mudar o posicionamento para produzir imagens diferentes das que já tinha feito. Observei que a maioria dos fotógrafos segue os carros com suas lentes poderosas, focando no carro e esquecendo um pouco do entorno. Como estava com uma câmera mais simples adotei uma estratégia diferente, escolhendo um enquadramento interessante e esperando que os carros passagem por ele. Mania de arquiteto, de colocar tudo em perspectiva, mas acho que deu certo.

Num intervalo entre as baterias, buscamos outros pontos de vista para captar as imagens, neste caso focando a saída de curva do Mitsubishi Lancer com tração integral. A retomada de velocidade é assombrosa.
Num intervalo entre as baterias, buscamos outros pontos de vista para captar as imagens, neste caso focando a saída de curva do Mitsubishi Lancer com tração integral. A retomada de velocidade é assombrosa.

O objetivo agora era registrar a entrada da curva, buscando um enquadramento fechado no carro, no caso o Peugeot 207 da dupla formada por Lucas Arnone e Enzo Jorge, terceira colocada na categoria 4x2 Super em Atibaia.
O objetivo agora era registrar a entrada da curva, buscando um enquadramento fechado no carro, no caso o Peugeot 207 da dupla formada por Lucas Arnone e Enzo Jorge, terceira colocada na categoria 4x2 Super em Atibaia.

O marinheiro de primeira viagem aqui não se preparou direito e ficou sem pilha para completar o registro. Felizmente o Zabala tinha uma segunda máquina - espetacular perto da minha - e me passou algumas lições básicas para manusear o equipamento profissional dele. Algumas destas fotografias poderão entrar na seleção a ser publicada pela MotorMachine. Quem sabe?

Meu objetivo principal era observar tudo para elaborar um belo relato - não este que você está lendo, que é mais informal, mas uma reportagem para a revista supracitada. Acabei escrevendo mais sobre o Rally em si, como esporte de risco, do que propriamente sobre a etapa de Atibaia - afinal de contas, os sites estão aí para informarem todos os resultados, como podemos conferir em Rally BR.

Horas depois, que escorreram na ampulheta bem mais rápido do que qualquer planilha de navegador poderia prever, a pista foi liberada após a passagem do último carro e retornamos ao Centro de Convenções de Atibaia. Lá fui gentilmente convidado para almoçar no motorhome da equipe RT One. Nada suntuoso como acontece na Fórmula 1, mas muito acolhedor. Já eram mais de três horas da tarde e aquele risoto com carne de panela estava magnífico.

Subimos num barranco para buscar uma imagem que pudesse mostrar a frente do carro, bem como sua lateral e seu capô. Conseguimos o intento com o Peugeot 206 de Heitor Pavesi e Andrey Karpinski, ainda da categoria 4x2 Super.
Subimos num barranco para buscar uma imagem que pudesse mostrar a frente do carro, bem como sua lateral e seu capô. Conseguimos o intento com o Peugeot 206 de Heitor Pavesi e Andrey Karpinski, ainda da categoria 4x2 Super.

Depois de obtermos imagens de carros entrando e saindo da curva, precisávamos registrar também um carro contornando o miolo da mesma. Mais um Peugeot para a nossa recente coleção de fotografias de rally.
Depois de obtermos imagens de carros entrando e saindo da curva, precisávamos registrar também um carro contornando o miolo da mesma. Mais um Peugeot para a nossa recente coleção de fotografias de Rally.

Com aquela estranha e prazerosa sensação de ser um velho amigo de todos, fui me despedindo para pegar o curto caminho de volta para Paulínia. A equipe de Santa Catarina ainda teria umas nove horas de viagem até a região de Blumenau. Sozinho ao volante, vim curtindo o asfalto macio da pista dupla com aquela sensação de estar apaixonado por um novo esporte. Uma paixão revigorante.


Leia mais artigos da coluna "Editor Volante".
* Jean Tosetto é arquiteto desde 1999 e editor do site mplafer.net desde 2001. É também autor do livro “MP Lafer: a recriação de um ícone” - lançado em 2012.

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