O último domingo do outono

A sombra da cerca viva se alinha com o friso central do capô do MP Lafer.
A sombra da cerca viva se alinha com o friso central do capô do MP Lafer.

O calendário de festividades do mundo moderno se apóia em tradições religiosas adaptadas pela lógica capitalista, especialmente nos países que adotam a cultura ocidental. Na Europa e nas Américas se comemora o Natal e a Páscoa, por exemplo. No Oriente Médio e em boa parte da África, o Ramadã é a principal época do ano.

Mas na antiguidade, quando os povos não conheciam Moisés, Jesus Cristo e Maomé, as pessoas prestavam mais atenção nas estrelas. Solstícios e equinócios eram as datas mais comemoradas ao longo do ano, pelas sociedades que seguiam o calendário solar. No Hemisfério Sul, o solstício de inverno representa o dia mais curto do ano, ao passo que no Hemisfério Norte temos o solstício de verão, com o dia mais longo acima da Linha do Equador. Nos equinócios, os dias tem a mesma duração nos dois hemisférios.

A essa altura você deve estar perguntando: "o que isso tem a ver com o site do MP Lafer?"

Calma, eu respondo. Caiu no meu ouvido que teremos o solstício de inverno no dia 20 de junho de 2016, numa segunda-feira. O que significa que hoje, quando escrevo estas linhas, é o último domingo do outono. Em memória de nossos antepassados, mas sem desrespeitar os religiosos, eu tinha que comemorar de alguma forma. Para tanto, escolhi fazer um passeio de MP Lafer, com a capota reclinada.

Nesse ano os brasileiros que vivem nas regiões sul e sudeste tiveram um outono diferente, com a chegada antecipada do frio. Um onda de ar polar fez a temperatura cair bem mais do que o normal e pude sentir isso com o aumento da minha pressão arterial. Meus amigos, envelhecer é uma droga, e estou relutando em depender delas para controlar minha pressão. Ainda sou moleque, só tenho 40 anos.

Mas hoje o dia estava ideal para guiar um MP Lafer. Frio sim, mas suportável. Logo que engato a primeira marcha, meu pensamento vai direto para a zona rural da cidade. A estrada estava quase deserta, esperando por mim.

O sol não chegava a provocar calor, mas não me deixava sentir frio, como dentro de casa. Poucas vezes senti uma sensação de equilíbrio térmico tão agradável nos últimos anos. No verão a gente fica suado quando dirige com a capota abaixada, e no pico do inverno é quase impossível não ranger os dentes nestas condições.

A blusa de lã repousa diretamente sobre a pele dos braços, deixando os raios de sol penetrarem nas pequenas frestas do tecido. Porém, não tive vontade de arregaçar as mangas. Nas trocas das marchas na ascendência da velocidade, tudo se compensava.

Quando atingi o que chamo de tobogã - uma longa reta em declive, com curvas de nível ligeiramente aplainadas - tive um caso de paixão com as árvores na margem da pista. Elas faziam sombras sobre nós - eu e o MP. No entanto, seus galhos vazavam as luzes outonais do sol. Um estímulo idílico para as retinas.

Se aquela estrada me levasse para a Patagônia, na Argentina, eu poderia dirigir o dia inteiro. E a noite também. Me ocorreu que aquele jogo de luzes e sombras era uma metáfora para a vida: os momentos felizes são valorizados por causa dos momentos que não são  necessariamente tristes, mas lembrados pela ausência de felicidade. E felicidade é um domingo de sol a bordo de um MP Lafer.

A curva chega e tento contorná-la sem frear. Desço de quarta para terceira marcha e deixo o motor nos segurar, enquanto seguro firme no volante de madeira do carro, ainda mais caramelizado com os reflexos da tarde, como se um editor de imagens aplicasse um filtro cor de uísque em tempo real.

Queria mesmo que esse passeio se transformasse numa viagem sem fim, impedindo com isso a chegada do inverno.

O que me fez mudar de ideia foi a saudade repentina que bateu da mulher amada. E compreendi que toda viagem que tem como destino os braços de uma mulher vale a pena ser empreendida.

Faço o "cul-de-sac" em segunda marcha, cruzando os braços diante do volante, sem tirar as mãos dele. Minha cabeça se inclina quase para fora do campo de proteção do para-brisa, e tomo o rumo de volta para casa.

O inverno vai chegar, sim. Mas depois vem a primavera. As estações do ano não deixam de ser um jogo de luzes e sombras na beira do caminho, que nos estimulam a viver a vida em sua plenitude.

Se você não olhar para as estrelas, de vez em quando, o que acabo de escrever não fará sentido. O último domingo deste outono me ensinou isso.

Saudações cordiais,
Jean Tosetto

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4 comentários:

  1. LEGAL, Jean!!! Parabéns por mais essa belíssima publicação em honra ao nosso querido ícone, o MP. Uma linda semana pra ti... abração!!

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    1. Caro Rodrigo, grato pela leitura e pelo comentário. MP Lafer também é cultura!

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  2. Olho muito para as estrelas. Ainda procuro a estrada definitiva. Hei de achar.
    FG

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    1. FG, quem busca já está mais perto do caminho ideal. Grato!

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